Publicado em 29 de setembro de 2023 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
O Senado aprovou na quarta-feira um projeto de lei que já tramitou na Câmara dos Deputados, estabelecendo o Marco Temporal para a ocupação definitiva das terras indígenas. A votação colidiu frontalmente com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que na última semana, por nove votos a dois, rejeitou o Marco Temporal, decisão festejada intensamente pelos povos indígenas que ocupam áreas em vários pontos do país, sobretudo na Amazônia.
O projeto vai à sanção do presidente da República. Ele terá que decidir e dificilmente, ao meu ver, poderá ir contra o STF. Caso não sancione ou vete, o efeito será o mesmo de ter sancionado a matéria, uma vez que caberá ao senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, promulgar a lei. Lula terá, assim, que assumir uma posição clara e frontal em relação ao problema.
INDENIZAÇÕES – A questão não é simples, e possui vários lados. Um deles foi a agressão que se desenrolou do Senado em relação ao Supremo. Outro é a questão das indenizações para os proprietários que realizaram benfeitorias em terras indígenas e que agiram de boa- fé, conforme reconheceu, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes.
A matéria está amplamente focalizada em reportagens na Folha de S. Paulo, no O Globo e no Estado de S. Paulo. Na Folha de S. Paulo, é de autoria de Thaisa Oliveira, João Gabriel e Lucas Lacerda. No O Globo, de Camila Turtelli e Marianna Muniz. No Estado de S. Paulo, de Gabriel Hirabahasi e Weslley Galzo.
No Estado de S. Paulo, uma outra reportagem, de Rayssa Motta, focaliza a questão das indenizações pelas benfeitorias realizadas de boa -fé. Ressurge a dúvida que envolveu a reforma agrária em 1963, no governo João Goulart, que diz respeito a se a indenização terá que ser feita em dinheiro ou transformada em títulos da dívida agrária do país.
RELACIONAMENTO – É curiosa essa repetição que exprime bem a dificuldade de relacionamento entre o poder instituído e os interesses econômicos de produtores rurais que, em muitos casos, são latifundiários. Em algumas situações, inevitavelmente, vão ressurgir também casos de latifúndios improdutivos.
O problema como se vê, examinado por esses ângulos e por muitos outros detalhes, é bastante complexo, envolvendo questões de direito consolidados e valores a serem fixados para as indenizações. Mas isso no caso de prevalecer totalmente a decisão do Supremo Tribunal Federal. Os cálculos indenizatórios, como é evidente, se transformaram e dividiram numa batalha de valores. Quem os avaliará? A questão envolve muitos milhões de reais e os acordos terão de ser bem conduzidos e claros. Será uma longa jornada.
ENCONTRO CORDIAL – Por iniciativa do ministro Fernando Haddad, o presidente Lula da Silva recebeu na quarta-feira, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. No O Globo, reportagem de Malu Gaspar, Geralda Doca, Sérgio Roxo e Renan Monteiro focaliza amplamente o evento, acentuando que daqui para frente o relacionamento será de diálogo, embora permaneça a pressão do presidente da República por uma queda mais rápida na taxa de juros da Selic, hoje em 12,75%.
Foi praticamente estabelecido que até o final do ano haverá mais dois cortes de 0,5% cada um, o que representará que a taxa de juros ficará em 11,75% no final de dezembro. A impressão que fica do encontro é a de que Campos Neto recuou de uma posição de radicalismo, sentindo que o governo Lula já preencheu duas diretorias do Bacen e preencherá mais duas em novembro, com o fim dos mandatos dos atuais ocupantes.
SUBSTITUIÇÃO – O grupo que sustenta Roberto Campo Neto, na minha opinião, deve ter influído para mostrar o risco da inevitável substituição de Campos Neto em 2024 e o reflexo sobre o seu grupo financeiro. Na Folha de S. Paulo, a reportagem é de Natália Garcia, Renato Machado e Cátia Seabra.
Também na Folha de S. Paulo, Idiana Tomazelli assinalou que a ministra Simone Tebet, do Planejamento, não foi ouvida na decisão sobre os precatórios. A ministra disse não saber o que está sendo elaborado na Fazenda. “É um tema que nós ainda não conseguimos discutir, mas estamos preparando nossa posição”, afirmou. Ficou claro a existência de uma insatisfação no relacionamento da ministra do Planejamento com o ministro da Fazenda.
RESPONSABILIZAÇÃO – Numa entrevista a Júlia Chaib, Folha de S.Paulo desta quinta-feira, o general Tomás Paiva, comandante do Exército, deixou clara a sua opinião de que politicamente não vale a pena responsabilizar o comandante Almir Garnier por sua presença na reunião em que Jair Bolsonaro propôs um golpe de Estado no país.
“As Forças militares cumpriram a sua obrigação”, afirmou, acrescentando que o almirante Garnier sempre foi “uma pessoa honrada”. Tomás Paiva disse ainda que foi colega do almirante e que ele sempre foi correto. “Acho difícil ele ter apoiado uma tentativa de golpe, mas isso está sendo investigado e não devo me pronunciar”, afirmou.
No depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, o almirante Garnier teria sido o único comandante a se colocar ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro. O general Tomás Paiva, que se destacou por sua posição democrática e constitucional, a meu ver, procurou descomprimir algum mal-estar causado pela acusação ao ex-comandante da Marinha.