Senador cotado para presidir a estatal quer que empresa pense menos em dividendos e mais no longo prazo
Por Daniel Rittner (foto)
“Como obter lucro com esta sala?”, me questionou, em uma conversa durante a campanha eleitoral e apontando para os móveis de seu gabinete, o senador Jean Paul Prates (PT-RN). Ele mesmo, segundos depois, começou a responder: “É só sair vendendo tudo. A mesa, as cadeiras, a estante onde estão os livros, os utensílios de escritório. Vamos fechar um ótimo balanço e eu vou esperar os cumprimentos pelo desempenho. Só não terei onde sentar e trabalhar depois”.
Essa é a analogia que faz Jean Paul, mestre em economia do petróleo ex-consultor na área de energia, sobre a Petrobras. Cotado para presidir a estatal, ele se reuniu em outubro com pouco mais de 60 analistas de mercado e investidores para expor suas ideias. Fez isso na condição exclusivamente de senador e especialista, sem insinuar uma participação no novo governo. No entanto, como alguém que o próprio Lula ouve frequentemente quando o assunto é petróleo, foi acompanhado com muita atenção por quem estava nas conversas - gente d BTG, JP Morgan, Bradesco, entre outros pesos-pesados da Faria Lima.
O pensamento de Jean Paul Prates sobre a petroleira
Eis os principais pontos das falas de Jean Paulo que foram destacados por esses analistas:
1) A Petrobras, segundo ele, tem sido tratada como uma produtora independente do Texas. Não como uma grande empresa multinacional. Tem conseguido lucros recordes pela queima de ativos. Saiu dos campos de petróleo e de refinarias no Nordeste. Deixou a exploração de gás natural no Amazonas e do xisto no Paraná. Abandonou projetos na África e na América do Sul. Desfez-se de gasodutos. Está vendendo seus direitos de potássio e a fábrica de fertilizantes em Mato Grosso do Sul. Confinou-se, afirmou Jean Paul, geograficamente e operacionalmente. Em termos geográficos, virou uma espécie de Petrosudeste. Nos aspectos operacionais, conforme suas palavras, uma “ordenhadeira” ou “vaca leiteira” do pré-sal.
2) A aposta no pré-sal não é errada, desde que não seja o foco praticamente único da empresa. O petróleo em águas ultraprofundas vai durar mais uns 30 anos. O erro está em ignorar a transição energética. A Equinor acaba de vencer uma licitação para construir parque eólico offshore de 3 mil MW de energia nos Estados Unidos. A BP prevê multiplicar por dez, em uma década, o investimento em renováveis. A Shell avança na fonte solar. Já a Petrobras, no plano estratégico 2022-2026, previa apenas R$ 730 milhões para o desenvolvimento de biocombustíveis e pesquisas em energias renováveis. Quase nada. Ela joga suas fichas em algo rentável, mas em declínio.
3) Não fosse um olhar mais estratégico da Petrobras no passado, para bancar projetos tidos como pouco viáveis, não teria havido Gasbol (gasoduto Brasil-Bolívia). Talvez nem pré- sal. E agora? Ela não pode ter um papel a desempenhar no hidrogênio verde? Nas eólicas em pleno mar? Na produção e no beneficiamento do lítio (minério-chave para baterias e com reservas abundantes na Bolívia, Argentina e no Chile)? A Petrobras, deixando de deter a BR Distribuidora (hoje Vibra), ficará de fora das discussões sobre eletromobilidade? Não deveria pensar em uma rede de terminais de GNL (gás natural liquefeito) a fim de aproveitar um combustível cuja demanda está tão em alta no mundo?
4) O processo de venda das refinarias da Petrobras, como acertado em um termo de compromisso com o Cade, precisa ser revisto. Jean Paul acredita que a estatal nunca se defendeu adequadamente no âmbito do processo instaurado pelo órgão antitruste. O que era um problema de concorrência no Maranhão transformou-se em combate a suposto cartel até no Rio Grande do Sul. O senador pede renegociação com o Cade. Não quer que a Petrobras fique com sua capacidade de refino concentrada no Rio de Janeiro e em São Paulo. Se houver excesso de dificuldade para renegociar, não descartaria uma ida à Justiça.
5) O país tem que perseguir a autossuficiência em derivados. A priori, não se deve pensar em novas refinarias. O aumento da capacidade nacional de refino passaria, antes, por “upgrade” das unidades existentes. Depois, por eventuais expansões do que já funciona. Parceiros privados são bem-vindos, disse Jean Paul nas conversas com o mercado.
6) A paridade de preços internacionais (PPI) deve ser substituída por uma política de preços com calibragem regional. A ideia é fazer um mapeamento das áreas de influência de todas as refinarias do país. Calcula-se, então, o que ela pode produzir com base no petróleo nacional e o volume importado. Desse “mix” surgiria, para cada conjunto de refinarias, o preço regionalizado. Hoje cobra-se um valor igual no país inteiro. A ANP estabeleceria um preço de referência e as datas de reajustes para essa fórmula.
Jean Paul - que preferiu não dar mais declarações à coluna depois da vitória de Lula - quer uma Petrobras que pense menos em dividendos e mais no longo prazo. Que seja ativa na transição energética e no desenvolvimento do país. Não se sabe se ele será, de fato, o presidente da estatal. Mas, independentemente do nome escolhido, o PT não pode perder a nova - e derradeira? - chance de livrar-se da mácula deixada por megaprejuízos e corrupção na maior empresa brasileira.
Valor Econômico