Investidores temem retrocessos; espera-se que Lula tenha aprendido com erros
Mesmo com o anúncio pela Petrobras do pagamento de R$ 43,7 bilhões em dividendos na quinta (3), valor equivalente a cerca de 11% do valor de mercado da empresa, as ações da estatal tiveram forte queda no dia seguinte. A desvalorização de mais de 5% destoou do restante do mercado, que subiu 1,08%.
O mau desempenho decorre de preocupações com o futuro da maior companhia do país. O temor, não sem fundamento, é que a nova gestão petista traga retrocessos no bem-sucedido processo de saneamento financeiro levado a cabo nos últimos anos, que transformou a petroleira numa das empresas mais lucrativas do setor.
A partir de 2016, a Petrobras passou por profunda reestruturação de seus processos internos, pagou dívidas originadas por projetos mal planejados e sujeitos à corrupção, como as refinarias Comperj e Abreu e Lima, vendeu ativos não prioritários e focou seus investimentos em exploração e produção, com grande eficiência.
Começou, assim, a bater recordes na geração de caixa e a distribuir dividendos em volumes jamais vistos. A conjuntura atual de preços elevados do petróleo viabilizou nos primeiros nove meses de 2022 o pagamento de R$ 180 bilhões, 77,5% a mais que no ano passado.
A política atual da empresa determina o pagamento de 60% da geração de caixa operacional, menos investimentos, enquanto o passivo for menor que US$ 65 bilhões.
Tal padrão de remuneração dos acionistas —em especial a União, que detém 37% do capital— só é possível porque a dívida atual, de US$ 54,3 bilhões, é inferior ao resultado operacional anual. Ao final do governo Dilma Rousseff (PT), é bom não esquecer, a empresa devia o quíntuplo do resultado anual.
Doravante, as principais incógnitas dizem respeito à continuidade da disciplina nos empreendimentos e ao potencial uso da companhia para controlar a inflação. Durante a campanha, afinal, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou os dividendos, indicou que vai intervir nos preços e prometeu voltar aos aportes em refinarias.
É natural que o novo governo possa ter prioridades diferentes e opte por reter mais lucros para investimentos. Mas qualquer decisão de ampliar aportes em setores como refino e energia limpa dependerão de uma revisão do planejamento estratégico, algo que só ocorrerá no ano que vem.
O principal risco é a degradação da governança interna, que pode novamente abrir espaço para projetos temerários. A boa notícia é que a empresa está mais blindada a malfeitos. O estatuto atual e a Lei das Estatais são barreiras importantes. Qualquer interferência na determinação de preços, por exemplo, traria reação dos acionistas minoritários nos tribunais.
Espera-se que Lula e o PT tenham aprendido algo com os escândalos da péssima gestão anterior.
Folha de São Paulo