Quando o presidente caiu no colo do Centrão, as reformas estancaram de vez
A combinação da proibição de coligações partidárias em eleições proporcionais, que estreou neste ano, com a cláusula de desempenho, começou a produzir fortes efeitos na configuração partidária do Congresso. Da barafunda de 32 siglas, seis perderão fundo eleitoral, fazendo companhia a 8 legendas que já não tinham atingido o mínimo exigido em 2018. Refletindo uma tendência iniciada no pleito de 2014, os partidos fisiológicos, mais conservadores, obtiveram uma fatia maior de vagas na Câmara e no Senado, em detrimento da esquerda, representada pelo PT (em federação com PCdoB e Rede).
Houve concentração partidária no Congresso, potencializada pelo enorme fundo eleitoral de R$ 5 bilhões, que deu vasto poder às cúpulas e elevou a barreira financeira para partidos menores e legendas de aluguel que, ao mesmo tempo, perderam a chance de colar em candidatos bons de voto para eleger representantes. Como o financiamento de campanha é exclusivamente público, com a perda de recursos do fundo partidário e tempo de propaganda na TV, essas legendas morrerão.
A grande fragmentação partidária, com 32 legendas, e novas a caminho, foi beneficiada pela permissão de coligações e pela ausência de desempenho mínimo. Com regras retrógradas, os partidos são quase uma repartição do Estado, da qual proveem os recursos para sobrevivência. São raros os que têm fatia significativa de sustentação advinda da contribuição de apoiadores. A mudança ocorrida é boa e vai na direção correta. A maior parte das legendas reprovadas no teste nas urnas não fará falta, nem deixará saudades nos eleitores.
A representação partidária, por outro lado, adensou-se. A esquerda passa a gravitar com mais força do que antes em torno do PT, que já havia arrastado para sua federação o PCdoB, e a Rede, ambos ameaçados de extinção. PDT e PSB saíram menores do que entraram nas eleições deste ano - os socialistas perderam 10 cadeiras na Câmara. O PT subiu de 56 deputados para 68, a segunda maior legenda da Casa. O Psol cresceu para 12 deputados, peso insuficiente para rivalizar com o do partido de Lula.
Os partidos de centro encolheram. A queda mais notável, em decadência que pode se revelar irreversível, é a do PSDB, nascido de uma dissidência social-democrata do então PMDB e que governou a República por oito anos. Aos economistas ligados ao partido se deve o fim da elevada inflação brasileira, a continuidade do processo de privatizações e da modernização do Estado. Após a conquista da Presidência pelo PT, os tucanos passaram a flertar com posições conservadoras até tentarem impugnar a eleição de Dilma Rousseff.
João Doria pegou carona na onda bolsonarista para se eleger, suplantando a velha guarda do partido e imprimindo um rumo conservador aos tucanos. Coube a Rodrigo Garcia, egresso do DEM, declarar apoio incondicional a Bolsonaro e ao PSDB liberar seus filiados para votarem em quem quiserem. Os tucanos perderam o comando do Estado mais rico do país, após 28 anos de governo.
Os partidos que apoiam Bolsonaro, com orientação de direita, aumentaram sua fatia de poder no Congresso. O PL tornou-se a maior bancada da Câmara, com 99 deputados e também do Senado (13 senadores). O núcleo que apoia o presidente (PL, PP e Republicanos) conquistou 187 cadeiras. O União Brasil, que negocia com o PP uma federação, obteve mais 59. Se a eles se somarem MDB e PSD de Kassab, que têm tido comportamento governista, a conta chega a 330 deputados, perto de dois terços da Casa.
A desafinada orquestra do Centrão, que começou a ser organizada por Eduardo Cunha, foi posta sob ordem unida pelo PP e PL, que entraram no vácuo da fragilidade política de Bolsonaro para ampará-lo contra um impeachment e prosperarem à sombra do governo. Como grande parte desses partidos se move mais por vantagens e poder, é difícil prever como se comportarão diante de um eventual governo Lula. Lula já abraçava esses partidos nas coalizões de seus dois mandatos. Eles costumam se dobrar à força eleitoral do presidente eleito, pelo menos por um tempo, e à sua vontade política de aprovar projetos no Congresso.
Bolsonaro terceirizou a coordenação política e lixou-se para o jogo parlamentar ou para as reformas, pelas quais não têm apetência. Mas atribuir à força redobrada dessa bancada fisiológica chances maiores de realização de reformas é ignorar o passado recente, onde a mesma ilusão prosperou. Quando o presidente caiu no colo do Centrão, as reformas estancaram de vez.
Valor Econômico