Publicado em 10 de outubro de 2022 por Tribuna da Internet
Frederico Vasconcelos
Interesse Público
Sob o título “A liberdade também é branca — ou nula”, o artigo a seguir é de autoria de Gustavo Sauaia Romero Fernandes, juiz de Direito e juiz eleitoral em Embu das Artes, São Paulo. Ele defende a tese de que “o voto é obrigatório, não o dever de votar nos candidatos” que não o representem.
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“A LIBERDADE TAMBÉM É BRANCA — OU NULA”
Gustavo Sauaia Romero Fernandes
Após a derrubada de João Goulart, o Marechal Castelo Branco foi eleito presidente pelo Congresso Nacional, em 1964. Tratava-se, na acepção da época, de um ato para salvar a democracia. A queda do governo civil seria uma medida excepcional e temporária, já que eleições diretas estariam supostamente garantidas para o ano seguinte. Mas houve uma minoria que não estava convicta desta salvação e preferiu votar em branco.
Entre eles, o saudoso Tancredo Neves exerceu o direito de não escolher. Esteve mais próximo da realidade que a maioria de iludidos – incluindo, talvez, o próprio Castelo Branco.
DIREITO DA CIDADANIA – Como Juiz Eleitoral, sinto-me na obrigação de defender qualquer cidadão que pense em fazer o mesmo que Tancredo, mártir da redemocratização. O fruto deste processo, nossa Constituição Federal, estabelece o voto obrigatório, mas não o dever de votar nos candidatos inscritos.
Trata-se de respeitar a consciência de cada um e também a liberdade para expressar sua desaprovação com o rol de candidatos que, afinal, não foi ele que definiu.
Nem mesmo temos uso corriqueiro de votações primárias e o resultado delas nem sempre é ratificado pelo partido. Portanto, apenas o voto em branco ou o voto nulo podem concretizar sua eventual crítica ao sistema político por não propiciar um nome que, na sua opinião de eleitor (a mais importante na democracia), valesse a pena escolher.
VOTO OBRIGATÓRIO – Vale destacar que a obrigatoriedade do voto é uma opção do constituinte brasileiro, mas em outros países se escolheu o sistema facultativo. Ficar em casa já é a mensagem. Alguns podem se arrepender com o que vier depois. Outros podem ficar ainda mais convictos de sua ausência.
Décadas ou até séculos de prática fazem o eleitor se aperfeiçoar no binômio entre decidir ou se abster. Onde o voto segue um dever, a possibilidade de anular o voto também rendeu grandes momentos democráticos. Como quando o eleitor paulistano preferiu um rinoceronte aos candidatos a vereador. Difícil imaginar recado mais contundente sobre o desempenho dos pretendentes humanos.
EM BUSCA DO ÓBVIO – Talvez o único furo da urna eletrônica seja tirar esta contundência. Mas, em tempos mais criativos, o brasileiro já teria dado um jeito.
Um desavisado pode se perguntar por que tantas linhas para sustentar o óbvio. Ocorre que nem o óbvio está a salvo nestes dias, em que a racionalização do medo, do ódio ou da arrogância leva a silogismos temerários, com dedos em riste apontados contra quem ousa pensar por si mesmo.
Especialmente no caso em que o suposto debate político vai pouco além de pessoas públicas e anônimas se estapeando metaforicamente (ou não) para provar que sim, um candidato é pior que o outro.
SUPOSTO MAL MAIOR – Mais: ambos os apoiadores querem que você ajude a evitar o suposto mal maior representado pelo oponente. Como se todos tivessem que se contentar com um duelo de forças que não representam seus anseios, sem chance de protestar rejeitando os duelistas. A chance existe e deve ser exercida por quem a almeja. Sem culpa ou remorso.
Claro que a liberdade de expressão permite que qualquer um qualifique o ato de se abster como omissão e até covardia. Mas é fundamental que haja vozes firmes para lembrar que nenhum eleitor precisa encenar a escolha de Sofia, ou temer ser comparado a Pilatos.
Não estamos num filme, nem na Bíblia. É a sua decisão. Sem roteiro, Deus ou patrulha do bem para dar ordens. Cada um na sua (cabina de votação). Onde estiver, Tancredo Neves estará aplaudindo.