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Por GILBERTO MENEZES CÔRTES
Na Roma antiga, nos tempos de César, a multidão era entretida com o binômio pão e circo. Nos tempos modernos, quando os circos, enfim, após longa luta dos ambientalistas e amantes da natureza, perderam os atrativos da exibição de animais selvagens maltratados em cativeiro, a função dos mágicos - que era de entreter a plateia antes do grande número dos acrobatas (com redes embaixo), do domador de leões, ou ainda das brincadeiras com elefantes asiáticos (nunca um circo exibiu um elefante africano, bem mais selvagem) - também perdeu o sentido. Mas nas lonas armadas para exibição da nova política com a proteção das redes sociais - que fazem truques semelhantes ao ilusionismo dos inocentes prestidigitadores de outrora, com as “fake news”, bem mais maliciosas e perigosas - nem sempre os truques funcionam.
A menos de um mês da votação do 1º turno, em 2 de outubro, o governo Bolsonaro segue tentando fazer mágicas com o dinheiro público procurando tirar dos 156 milhões de eleitores aptos a votar no próximo mês, um sorriso de agradecimento pela redução temporária do ICMS e dos impostos nos preços da energia elétrica, das comunicações e dos combustíveis, que a Petrobras passou a baixar celeremente (a cada semana, se possível), a qualquer sinal de redução dos preços do barril de petróleo e dos combustíveis no exterior. A distribuição desenfreada dos R$ 41,2 bilhões previstos até 31 de dezembro com o Auxílio Brasil de R$ 600 mensais e mesadas de R$ 1 mil a caminhoneiros e taxistas autônomos, além do vale gás, completou dois meses (em agosto foram pagas as mesadas de julho e agosto), mas até aqui, as pesquisas eleitorais não captaram a mudança de humor dos eleitores.
Sobretudo dos que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.424), que são a maioria da população. Para essas camadas, a baixa da gasolina está mais próxima do circo. O que mexe com seu humor é o acesso ao pão. Ou seja, o custo da comida que segue disparando. Se a inflação, sem o “combustível” da gasolina, medida pelo IPCA tende a fechar o ano até abaixo de 7%, e agrada a quem ganha acima de cinco salários mínimos (R$ 6.060), o preço da alimentação, que tem o maior peso nas despesas das famílias de menor renda e os outros itens de gastos mensais segue variando o dobro, na faixa acima de 14% em 12 meses. Como o presidente Jair Bolsonaro parece atuar num filme antigo de Hollywood, no qual as pessoas saíam do táxi ou de um restaurante sem jamais abrir a carteira, entende-se por que ele, que em suas “motociatas” ganha mais adesões quando baixa o preço dos combustíveis, mas tem a coragem de dizer que “não há fome, propriamente dita no Brasil”. Mesmo se desdizendo no dia seguinte, é a mesma demonstração de falta de sensibilidade da frase “E daí, não sou coveiro”, ao se manifestar sobre as mortes pela Covid-19. Por sinal, assim como ele cobrou do PT reconhecimento pela corrupção do “Petrolão”, cabe a Bolsonaro pedir desculpas ao povo brasileiro pela corrupção no MEC, na Codevasf, pelas “rachadinhas” da família e pelos quase 685 mil mortos na Covid-19 oficialmente reconhecidos pelo Ministério da Saúde.
Na próxima 6ª feira, 9 de setembro, o IBGE vai divulgar a inflação oficial de agosto, que deve registrar nova deflação. Em julho, por influência da redução do ICMS e da gasolina e do etanol, o IPCA caiu 0,68%; agora em agosto, a LCA Consultores espera deflação de 0,45% no IPCA, cuja taxa em 12 meses cairia dos 10,07% de julho para 8,63%. Mas a alimentação acumulava alta de 14,72% em 12 meses. E o custo das roupas era 16,67% maior no mesmo período. Se o indicador dos preços dos alimentos apontar para uma baixa, pode ajudar Bolsonaro. Mas viria tarde. Para melhorar o humor da população (e do eleitor), e impedir as escaladas de preços no “país celeiro do mundo”, o governo teria de ter estimulado a formação de estoques reguladores. O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, um liberal ligado ao cooperativismo que comandou a pasta no 1º governo Lula, considera indispensável esta medida para garantir o abastecimento doméstico (em 2020, toda a soja foi exportada e em setembro, quando o óleo de soja subiu mais de 100%, o Brasil teve de importar grãos para extrair o óleo de soja), mas com a formação de estoques (e o risco da operação, sob o amparo dos Empréstimos do Governo Federal) sendo bancada pela iniciativa privada, sempre mais ágil que o Estado.
Até aqui, o IBGE tem sido pródigo no calendário de divulgação de boas notícias, como nas sucessivas reduções da desocupação (o IBGE não usa mais o termo desemprego, pois a ocupação tem forte participação da atividade informal, sem carteira e direitos sociais) e a mais palatável de todas: o crescimento do Produto Interno Bruto de 1,2% no 2º trimestre, que está levando a revisões para cima no PIB deste ano: de 2,6%, como estimam agora a LCA e o Itaú, a 2,8%, como prevê a Genial Investimentos. O problema é que boa parte deste impulso (as mesmas instituições previam, até junho, crescimento máximo de 1,6% a 1,8%) veio de medidas artificiais (ou mágicas do governo para turbinar a economia no ano eleitoral (como pagar o 1º do INSS deste ano em maio e junho e liberar até R$ 1 mil do FGTS). Depois a aposta triplicou com o pacote de benesses eleitorais. No Projeto da Lei Orçamentária Anual (2023) enviado dia 31 de agosto pelo Executivo ao Congresso, como manda a Lei Orçamentária, não há previsão de Auxílio Brasil de R$ 600 (apenas uma previsão de pagamento médio de R$ 405). A redução do ICMS (cobrado pelos estados e repartido com os municípios) na energia, nas comunicações e nos combustíveis também desapareceria. Mantidos estão apenas a redução dos impostos federais da PIS/Cofins e da Cide sobre a gasolina, etanol, GNV, GLP, diesel e querosene de aviação, com renúncia fiscal de R$ 52,9 bilhões. Como Bolsonaro prometeu na campanha manter o AB de R$ 600, há um adendo na PLOA de que o governo vai fazer esforços tributários e negociações políticas com o Congresso para manter o valor em 2023. Nos velhos rincões do país, nos tempos do voto em cédulas pré-distribuídas com os nomes dos candidatos (que muitas vezes resultava em mais votos que eleitores, os velhos coronéis negociavam o voto de cabresto dos comandados em troca de um pé de sapato: se o candidato ganhasse, o par seria completado após a apuração. Do contrário, nada. O governo flerta com ilusões mais arriscadas: como a liberação de crédito consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Proteção Continuada (BPC). Com os juros altos e o perigo da ajuda não ter continuidade em 2023, o eleitor que tomar crédito pode ter de atravessar território espinhoso como um saci.
O duelo do 7 de setembro
Mas antes do dia 9 de setembro, vem o 7 de Setembro. Em vez de o país comemorar o Bicentenário de nossa independência de Portugal, o presidente/candidato Jair Bolsonaro quis fazer da data magna o principal palanque para sua campanha de reeleição, com cerimônias concentradas em Brasília, na Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), e no Rio de Janeiro, na Avenida Atlântica, em Copacabana. No ano passado, Bolsonaro extrapolou quase todos os limites constitucionais ao pregar a desobediência civil de seus seguidores e do próprio comandante do Executivo ao Supremo Tribunal Federal, especialmente na figura do ministro Alexandre de Moraes, que cuidava dos inquéritos das “fake news” e do financiamento dos atos, com apoio de um grupo influente de empresários próximos ao governo [aqui um parênteses, caro leitor, você já reparou que há sempre um grupo de empresários disposto a bradar “hay gobierno, soy a favor” e outros que aderem imediata e interessadamente - a operação Lava-Jato depurou o grupo, mas muitos seguem bajulando o governo?].
Um dos atrativos em 2021 era a especialíssima interpretação do artigo 142 da Constituição Federal sobre o papel das Forças Armadas como garantidoras da ordem constitucional, quando convocada por um dos três poderes. Bolsonaro achava que a prerrogativa era dele para “convocar o meu Exército”. Em 2022, esperava a mobilização maior pelo Bicentenário (cujas comemorações ele mesmo esvaziou) para exibir suposta adesão à sua candidatura à reeleição. E a participação e apoio financeiro do grupo de empresários que gira em torno do governo Bolsonaro seria mais uma vez importante. Entretanto, o ministro Alexandre de Moraes, que acabou de assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o comando das eleições de 2022, recebeu, pelo sistema de prevenção (como já tinha atuado nos inquéritos anteriores sobre o tema, deveria abarcar mais um inquérito da Polícia Federal). Era sobre a troca de mensagens entre o mesmo grupo de apoiadores que pregavam o “golpe com Bolsonaro” à entrega do poder a outro vencedor nas urnas em outubro.
Ante gravíssimos “indícios de ocorrência dos delitos de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal), Associação Criminosa (art.288), Golpe de Estado (art. 359-M) e Interrupção do Processo Eleitoral (art. 359-N do Código Penal)”, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a Polícia Federal a fazer busca e apreensão nos escritórios de alguns suspeitos. Houve uma grita geral dos advogados. Bolsonaro estrilou bem menos, comparado aos urros de 2021. E o efeito prático das medidas (mesmo com algumas suspensões) foi a menor mobilização de caminhões e máquinas do que em 2021. A presença do público, que foi baixa no ano passado, sobretudo em Brasília, tirando a aura popular do ímpeto golpista de Bolsonaro (que não recebeu o esperado “eu autorizo”, exibido nas faixas), pode ser até maior este ano, mas o processo eleitoral já está nas ruas e os candidatos aceitaram as regras do jogo. Uma virada de mesa não seria aceita pela população. Vale destacar alguns dos artigos penais invocados por Moraes:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Golpe de Estado Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.
Interrupção do processo eleitoral Art. 359-N. Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral:
Comunicação enganosa em massa Art. 359-O. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privado, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos capazes de comprometer o processo eleitoral.
Por enquanto, os delitos elencados no Artigo 359 pararam na letra K. Moraes cortou a progressão para as letras L, M, N e O. Mas, o exemplo de Trump e seus fanáticos seguidores que obedeceram a infame convocação do presidente e invadiram o Capitólio durante a cerimônia de oficialização da eleição de Joe Biden e Kamala Harris, em sessão presidida pelo vice Mike Pence, deve servir de alerta a todos os democratas brasileiros.
O peso eleitoral de cada estado
As pesquisas eleitorais publicadas nos jornais e nas tevês, que até aqui registram pequena queda de Lula (PT) e estabilidade de Bolsonaro (PL), após uma reação pelo pagamento das benesses, e apontam que os eleitores indecisos penderam mais para Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), após os primeiros debates, carecem de oferecer aos eleitores uma informação importante: o peso de cada estado na distribuição dos eleitores brasileiros.
Quando se fala que o Sudeste é o principal cenário da disputa dos votos, nem sempre é mencionado que os quatro estados da região mais populosa e rica do Brasil concentram 42,9% dos eleitores. Que o Nordeste concentra 26,9%. Que o Sul abriga 14,8% do eleitorado, a região Norte, 8% e o Centro-Oeste, 7,4,%. Para facilitar, alguns institutos de pesquisa agrupam o Norte/Centro Oeste, perfazendo 15,4% dos eleitores, comparados aos 14,8% do Sul, porque as dificuldades logísticas para os eleitores do Norte e Centro Oeste determinam abstenção bem superior nestes estados do que nos três estados sulistas.
Por isso, ofereço a você, caro leitor, um quadro mais claro da inclinação dos eleitores por estados, com seu respectivo peso na distribuição do eleitorado brasileiro, segundo a última pesquisa IPEC (criado pelos antigos diretos do Ibope) realizada entre os dias 26 e 28 de agosto e divulgada dia 29, quando Lula tinha 44% das intenções de votos e Bolsonaro, 32%. Vale notar que as notícias de que Lula vencia em 14 estados, Bolsonaro liderava em cinco e no Distrito Federal, com empate técnico nos demais (dentro das oscilações da margem de erro de ambos), não exprimem a realidade. A pesquisa não conclui a totalização no Pará, 9º colégio eleitoral do país, com 3,8% dos eleitores.
É preciso ver o peso de cada estado na distribuição do eleitorado. São Paulo tem 21,8% dos eleitores, Minas Gerais, 10,5% e o Nordeste, onde Lula é majoritário (no Ceará a vantagem só é menor pela popularidade do conterrâneo Ciro Gomes, que embora nascido em São Paulo, foi criado em Sobral, onde iniciou sua carreira política), leva 26,9% dos votos.
São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Ceará, Pará, Santa Catarina, Goiás e Maranhão (os 12 maiores eleitorados entre os 17 do país) concentram 84,6% dos eleitores.
Assim, Se Bolsonaro está ganhando em Santa Catarina (3,5% do eleitorado) por 50% a 25% de Lula, a vitória do ex-presidente no Maranhão, 12º estado com mais eleitores, com 3,1% do total), por 66% a 18% de Bolsonaro, anula completamente a vantagem. Idem em Mato Grosso, onde graças ao apoio do agronegócio Bolsonaro vence por 49% a 31%, pois o estado responde por apenas 1,5% do eleitorado (mesmo índice do Distrito Federal e é superado ainda pelos 1,7% do Amazonas).
E cabe assinalar o péssimos desempenho nos estados dos líderes políticos que o apoiam, através do Centrão. Em São Paulo, do PL, de Valdemar Costa Neto, Lula vencia por 40% a 31%. Em Minas Gerais, terra natal do vice, general Braga Neto, a situação é de vaca desconhecendo bezerro: Bolsonaro perde de 54% a 30%. No Piauí, terra do chefe da Cada Civil e senador licenciado do PP, Ciro Nogueira, Lula vencia por 69% a 15%. Em Alagoas, terra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), que tem 1,5% do eleitrorado, como Mato Grosso, a derrota era por 50% a 29%. No Rio de Janeiro, reduto da família Bolsonaro, Lula tinha 39% contrra 36%, num virtual empate técnico.
O campo de batalha será mesmo em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná. Se Bolsonaro estreitar as margens até aqui desfavoráveis nos cinco primeiros, ampliar a vantagem no Paraná e diminuir a goleada no Nordeste, pode impedir, com o crescimento das candidaturas de Ciro Gomes e Simone Tebet, o desfecho no 1º turno. No 2º turno, em 30 de outubro, só um milagre, ou mágica, tiraria a vitória de Lula. Mágicos tiram coelhos e pombos da cartola, Bolsonaro imagina o uso de um quepe?