Por Malu Gaspar (foto)
Estamos a poucos dias de um voto para presidente que pode até ser definitivo, dado que as pesquisas de opinião mostram haver chance de Luiz Inácio Lula da Silva ganhar a eleição já no primeiro turno. Nos bastidores da campanha bolsonarista, o desânimo é flagrante, e até os meninos da outrora olavista Brasil Paralelo foram dar uma pinta no jantar de Lula com os empresários.
Pode até ser que nos grotões esteja acontecendo algo diferente e que Bolsonaro esteja ganhando força para virar o jogo e vencer a eleição no segundo turno. Mas o visível, agora, é que as elites do país estão se rendendo a Lula sem dificuldade nem prurido.
Para aqueles que já tinham boas relações com o petismo, o momento é de glória. Nos bastidores do jantar com os empresários, o dono do BTG, André Esteves, e o presidente do conselho do Bradesco, Luiz Trabuco, foram tratados com carinho, como velhos amigos que são.
Outros registraram presença apenas para poder dizer no futuro que nunca foram de fato antilulistas — estavam só defendendo os próprios negócios. Como um integrante do Centrão que me ligou outro dia, às gargalhadas: "Será que você poderia registrar aí que, quando Lula estava preso, eu fui dez vezes a Curitiba, incógnito, gritar 'bom dia, Lula; boa noite, Lula'?".
Quem conhece a forma como as placas tectônicas do poder se arranjam conforme a necessidade não tem por que se espantar. Há quase dois anos, Arthur Lira definiu num artigo que o Centrão é uma “força moderadora”, a “quilha da nau da democracia”. Vai ver é isso mesmo, e talvez seja o caso de comemorarmos.
Não fosse o Centrão o que é, poderíamos ter uma crise de grandes proporções com a chegada de Lula ao Planalto, uma revolta da maioria parlamentar conservadora contra um esquerdista em minoria.
Como o Centrão é o que é, muito provavelmente o que se verá em Brasília, uma vez proclamado o resultado das urnas — agora ou no segundo turno —, será uma acomodação. Para que seja razoavelmente tranquila, dependerá apenas de que se acerte quanto custará.
Não é mais novidade, nem chega a ser escandaloso. Quem assiste aos debates e entrevistas com os candidatos fica com a impressão de que é a coisa mais normal do mundo Lula se defender de acusações a respeito do mensalão retrucando que “o orçamento secreto é muito pior”.
De outro lado, quem já não ouviu aí algum bolsonarista dizer que as rachadinhas dos Bolsonaros ou a propina do Ministério da Educação depositada em pneus não chegam a ser problema porque, no petrolão dos governos petistas, a corrupção ocorria em escala muito maior?
"O povo está cansado de discutir corrupção", disse um analista que ouvi no rádio outro dia. "Isso não comove mais ninguém".
É compreensível que a corrupção tenha se tornado um problema menor diante do avanço da pobreza, da debacle educacional e da deterioração institucional que temos presenciado. A desorganização no tecido social produzida pelo bolsonarismo é tão grande que muitas coisas tomaram a frente na lista de prioridades.
O que deveria preocupar é essa mesma desorganização ter gerado em setores da sociedade certo espírito bovino, que impede qualquer debate mais profundo sobre o que se pode esperar de um eventual governo Lula.
O PT divulgou um programa cheio de compromissos genéricos, como “colocar o povo no orçamento”, fazer uma “reforma do Estado” ou voltar a investir em educação. Prometeu depois trazer um texto mais detalhado. Contudo não trouxe.
O próprio Lula explicou que não precisa fazer promessas, porque todos já sabemos como foi seu governo e conhecemos o legado que deixou. Dizer que já passaram 20 anos de sua primeira eleição e que o Brasil já mudou muito é chover no molhado, mas nem por isso deixa de ser verdade.
Ainda assim, virou lugar-comum dizer que não é hora de cobrar ou de criticar Lula, porque há algo maior em jogo — restabelecer a própria democracia. Em nome da democracia, estão combinando que o Brasil dará um cheque em branco ao petista, porque cobrar ao líder nas pesquisas que detalhe suas propostas é uma atitude antidemocrática.
É bom lembrar apenas que esta não é uma eleição para santo ou para escolher um novo mito. Os problemas continuam, e o dia seguinte será duro. A esta altura, já deveríamos ter aprendido que a luta do bem contra o mal só existe nas histórias em quadrinhos ou nos vídeos toscos da extrema direita.
Os empresários que foram ao jantar com Lula sabem muito bem disso. Mas sabem se defender. A nossa democracia, talvez não.
O Globo