Candidatos ao Congresso recebem mais doações eleitorais,na esteira do aumento do poder do Legislativo. Isso não seria ruim se a principal causa não fosse a degradação do Executivo
Dados de doação a campanhas disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral revelam uma mudança significativa no comportamento dos doadores. No passado, era comum que os maiores financiadores – que até o Supremo Tribunal Federal declarar inconstitucional a doação por empresas eram pessoas jurídicas – concentrassem recursos nos principais candidatos ao Executivo federal. Agora, o setor produtivo, na pessoa física dos empresários, vem dando preferência às campanhas de senadores e deputados federais e estaduais.
A mudança denota que está ficando claro para a sociedade, especialmente para a parte dela que conta com recursos, uma mudança no eixo de poder: desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, o Congresso vem ganhando força, especialmente no acúmulo de discricionariedade sobre o orçamento.
Em tese, isso não é necessariamente ruim. O Congresso é a “Casa do Povo”. Setores importantes da opinião pública têm inclusive reaquecido o debate sobre o sistema representativo e o regime de governo mais adequados para o Brasil, ponderando vícios e virtudes do presidencialismo, do semipresidencialismo e do parlamentarismo. O problema é quando esse ganho de poder não vem acompanhado das devidas responsabilidades. Para o bem ou para o mal, nosso sistema é presidencialista, e a discricionariedade que o Congresso vem galgando, na prática, está menos associada ao revigoramento de suas funções – fundamentalmente, legislar e fiscalizar políticas públicas – do que à degradação das funções do Poder Executivo.
No regime presidencialista, cabe ao presidente da República formular a agenda nacional, que se materializa sobretudo no orçamento negociado com o Legislativo e aprovado por ele. Mas, operando segundo cosmovisões antagônicas, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro compartilham de um mesmo voluntarismo que, de início, os levou a querer governar não “com” o Congresso, mas “sobre” ele. Tão logo o seu capital político começou a se deteriorar, a equação se inverteu, e ambos passaram a rifar prerrogativas do Executivo para se sustentar. A maior expressão disso foi a proliferação de emendas parlamentares. Hoje, cerca de três quartos dos investimentos da União estão nas mãos dos congressistas.
Mais uma vez, a discricionariedade do Parlamento sobre o Orçamento não é necessariamente ruim. O problema é quando ela não está vinculada à transparência e critérios técnicos que garantam que os recursos serão distribuídos equitativamente, a serviço do bem comum. Ao contrário, o que agora se vê é um governo refém de interesses paroquiais, representados por uma pletora de partidos ideologicamente amorfos e parlamentares clientelistas, corporativistas e patrimonialistas, que estão despedaçando o Orçamento para privilegiar seus currais eleitorais.
Recentemente, o Estadão reportou o drama de centenas de municípios alijados dos recursos da União por não terem eleito padrinhos políticos que hoje disputam as verbas das emendas de relator. Eles formam um verdadeiro “deserto de representatividade” no Congresso.
Em contraste, a gestão de Michel Temer mostrou o quanto um Executivo empenhado em promover concertações políticas com um Congresso forte em prol de uma agenda nacional pode produzir benefícios para toda a população. Governando nem “sobre” nem “sob” o Parlamento, mas “com” ele, Temer logrou aprovar a reforma trabalhista e lançar os alicerces da reforma da Previdência que foram herdados e consumados pela atual legislatura, mesmo com os titubeios do governo de turno.
Hoje, contudo, o que se tem é o pior dos dois mundos. Um Executivo fraco, que não sabe nem quer governar, e um Legislativo forte, mas dilacerado por uma multiplicidade de interesses particulares, que exerce o poder sem responsabilidade. Um Executivo forte, ao contrário, que cumpra seu papel como depositário do voto majoritário da população, impõe os devidos freios e contrapesos a esses particularismos. O resultado, em tese, tende a ser um Orçamento de qualidade, políticas nacionais e reformas consistentes, aptos a atender todos e cada um, conforme as suas necessidades.
O Estado de São Paulo