Com a aplicação neste ano, pela primeira vez na escolha dos deputados, da cláusula de barreira e da proibição de coligações, o Brasil começa enfim a depurar o leque de partidos. O Congresso tende a ser mais representativo e a melhorar a qualidade do debate político. Apesar do avanço, o novo sistema de escolha dos representantes abriu margem a um paradoxo, apontado pelo cientista político Jairo Nicolau em artigo no site Poder360: há critérios distintos para a primeira e a segunda rodada de distribuição das cadeiras no Legislativo. De tão esdrúxula, a regra deve ter sido aprovada sem que a maioria dos parlamentares a entendesse. Vários sentirão seu efeito na dificuldade maior para se reeleger.
Para definir os eleitos à Câmara, calcula-se para cada estado um quociente eleitoral (QE), resultado da divisão dos votos válidos pela quantidade de cadeiras em disputa. Cada partido recebe então um número de cadeiras correspondente ao total de votos de seus candidatos, somados aos votos na legenda, dividido pelo QE — e são escolhidos para ocupá-las os mais votados.
Na primeira rodada de distribuição, se exige do candidato que obtenha no mínimo 10% do QE. Do contrário, o partido perde a cadeira. Essa regra já vigorou na eleição de 2018. Foi devido a ela, segundo Nicolau, que o PSL perdeu sete cadeiras em São Paulo. Embora o partido fizesse jus a elas, não havia mais candidatos com mais de 30.187 votos, ou 10% do QE paulista.
Como sobram cadeiras, há uma segunda rodada para distribuí-las. A partir deste ano, só terá direito a disputar as sobras o partido que alcançar 80% do QE. É uma medida coerente com a cláusula de barreira pela qual, para ter direito a bancada, uma legenda precisará obter no mínimo 2% dos votos válidos, distribuídos em nove estados (com ao menos 1% dos votos em cada um). Nesse caso, porém, a lei passou a exigir votação mínima de 20% do QE para um candidato ser eleito. Não faz sentido. O patamar mínimo, 10% ou 20%, deveria ser o mesmo nas duas rodadas. “Por que criar exigências diferentes para candidatos que disputam a mesma eleição?”, questiona Nicolau.
Ele dá como exemplo a eleição dos 46 deputados federais do Rio em 2018. O QE foi de 168.122 votos, 38 vagas saíram na primeira rodada, oito na segunda. Vigorava a regra dos 10% do QE para o candidato ter direito à cadeira. Os oito eleitos na segunda rodada ultrapassaram esse patamar. Se valessem os 20%, seis não teriam entrado na Câmara (entre eles, Daniel Silveira).
Se um candidato tiver recebido quase 20% do QE, mas não for escolhido na primeira rodada por meros 100 votos, estará fora da segunda. Outro que recebeu 100 votos a mais estará eleito, pois dele exigiram-se apenas 10%. É um absurdo que precisa ser corrigido. Não há como fazer isso antes de outubro, mas a próxima legislatura precisa eliminar essa pequena distorção num sistema eleitoral de resto excelente. O melhor seria adotar os 20% desde a primeira rodada, para inibir os partidos que investem na votação milionária de celebridades como puxadores de voto para o resto da bancada.
O Globo