É lamentável constatar que, enquanto faltam escolas — pelo menos 3.500 não foram concluídas por falta de verba —, os clubes de tiro se multiplicam, alguns instalados a curta distância de estabelecimentos de ensino. Como revelou reportagem do GLOBO, dados obtidos pelos institutos Igarapé e Sou da Paz, com base na Lei de Acesso à Informação, mostram que, em 2021, 457 novos clubes de tiro desportivo foram abertos em território nacional, mais de um por dia. Em relação ao ano anterior, o aumento foi de 34%.
A estatística tende a aumentar. Apenas nos três primeiros meses de 2022 foram criados 268, quase três por dia. No Brasil, já há 2.070 clubes e estandes de tiro, de acordo com o Exército, responsável pela fiscalização. A questão não é só a quantidade, mas também a localização. Em Santo Augusto, no interior do Rio Grande do Sul, a Prefeitura sancionou uma lei proibindo clubes de tiro perto de escolas. A decisão foi motivada por um estande situado a cerca de 200 metros de salas de aula.
Não surpreende que a atividade tenha crescido concomitantemente ao afrouxamento da legislação. Desde que assumiu, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro já publicou mais de 30 normas facilitando a compra e o porte de armas e munições, além de ter dificultado o rastreamento. O desmonte do Estatuto do Desarmamento levou a um aumento do arsenal. Reportagem do GLOBO mostrou que o registro de novas armas de fogo por civis bateu recorde em 2021, chegando a 204.314, o quádruplo do que havia em 2018.
O registro de Caçador, Atirador ou Colecionador (CAC) virou febre. Até bandidos obtêm licença. Em janeiro, foram apreendidas no Rio 65 armas compradas legalmente por um CAC. O destino era uma facção criminosa. A fiscalização tem se mostrado inócua. Em 2020, o Exército vistoriou 2,3% dos arsenais privados do país, ou 7.234 de 311.908 locais, entre residências dos CACs, lojas e clubes de tiro.
O que justifica a multiplicação perigosa e absurda dos clubes de tiro? Certamente não é o agravamento da violência, cujos índices têm se mantido relativamente estáveis nos últimos anos, com pequenas oscilações.
Ainda que o motivo fosse esse, não faria sentido. O que combate a criminalidade não são ações individuais, mas políticas públicas. Bolsonaro foi incapaz de apresentá-las ou mesmo de formulá-las em três anos e meio de governo. Alguém acha que estará mais seguro porque tem arma e aprendeu a atirar? Não são poucas as mortes de policiais, treinados e experientes, fora de confrontos. Quando arma os cidadãos, o país opta por um caminho comprovadamente perigoso, de acordo com todos os estudos acadêmicos sérios.
Em vez de incentivar a prática de tiro e criar oportunidades a milícias particulares, o governo deveria adotar outras prioridades no combate ao crime. É verdade que os clubes de tiro, entidades privadas, podem nem ter relação com a violência. Mas uma coisa é certa: investir em boas escolas e bons professores é o melhor caminho para oferecer um futuro aos jovens tragados pela criminalidade por falta de opção.
O Globo