Publicado em 5 de maio de 2022 por Tribuna da Internet
José Carlos Werneck
A Câmara dos Deputados julgará o destino do deputado Daniel Silveira, que foi preso por decisão do ministro Alexandre de Moraes, posteriormente confirmada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Será uma excelente oportunidade para a Câmara, em respeito à Constituição Federal, explicar ao País o que são as garantias conferidas aos detentores de mandato parlamentar.
Quaisquer que sejam os crimes atribuídos a um congressista, deve caber à Casa Legislativa à qual pertença decidir se um parlamentar – em pleno exercício do mandato que lhe foi outorgado por sufrágio popular – seja privado ou não de sua liberdade por ordem do Poder Judiciário.
LAMENTÁVEL INOVAÇÃO – Se assim não se procedermos, estaremos diante de uma lamentável inovação, que abala significativamente a independência dos Poderes, magnificamente ensinada por Montesquieu e adotada pelas verdadeiras democracias.
Mandato parlamentar não se adquire por meio de concurso público nem por livre nomeação, portanto, não pode ter suas prerrogativas derrogadas irresponsavelmente. Por isso, a Constituição enfatiza de modo claríssimo o respeito às garantias necessárias ao exercício dos mandatos parlamentares, em toda a sua plenitude.
Na democracia, a atividade parlamentar tem de ser protegida por salvaguardas que permitam assegurar a independência, o livre e pleno exercício das funções e impedir que perseguições de qualquer natureza cerceiem os senadores e deputados federais, quando no exercício de suas atividades.
NA FORMA DA LEI – Assim, a Constituição, no art. 53, caput, prevê diversas prerrogativas e garantias aos membros do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, como a imunidade material, a fim de impossibilitar qualquer processo judicial, civil ou criminal contra os parlamentares por conta de suas opiniões, palavras e votos.
Outras salvaguardas são previstas para coibir perseguições infundadas. Assim, o mesmo artigo 53, em seu parágrafo 1º, diz que o parlamentar possui foro por prerrogativa de função e só pode ser processado criminalmente perante o Supremo Tribunal Federal.
O parágrafo 2º do artigo 53 ressalta que, desde a diplomação, os membros do Congresso Nacional “não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” e, mesmo neste caso, caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal decidir sobre a manutenção ou não da prisão do parlamentar.
GARANTIAS REAIS – Detalhe importantíssimo: nem mesmo o presidente da República detém tal prerrogativa, pois é prevista a possibilidade de sua prisão após a condenação definitiva (quando não mais caibam recursos pela prática de crime, segundo o art. 86, § 3º, da Constituição).
A questão fundamental é: e como fica a situação do senador ou deputado federal condenado, definitivamente, à prisão? Pode ser preso depois de definitivamente condenado? Ou só poderá ser preso em flagrante de crime inafiançável?
Essa é uma questão sobre a qual não pode pairar qualquer dúvida, pois a suspensão dos direitos políticos advindos da condenação criminal (art. 15, III) não acarreta a perda automática do mandato do parlamentar condenado e isso dependerá da apreciação e decisão futura do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, conforme estabelece a Constituição no art. 55, § 2º.
PROIBIDO PRENDER – Por conseguinte, enquanto não houver tal deliberação, o parlamentar condenado não poderá ser preso para iniciar o cumprimento de sua pena, pois, segundo preceito constitucional, os parlamentares “não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”, repita-se.
A Carta Magna veda expressamente a execução da sentença penal condenatória proferida contra parlamentar, apesar de se tratar de decisão do Supremo Tribunal Federal.
Pela análise estrita do disposto na Constituição, o parlamentar não pode ser preso para cumprir uma pena definitiva, ou prisão-pena. Assim sendo, para ser cumprida sua pena de prisão, antes o parlamentar condenado terá de perder o mandato.
Caso contrário, só poderá vir a ser preso em flagrante, o que no direito se conhece como prisão processual, por crime inafiançável, e se a Casa Legislativa a que pertencer ratificar tal prisão.
EM RESUMO – A corrupção vergonhosa das autoridades dos Três Poderes deve merecer um combate vigoroso, mas isso pode e deve ser feito sob estrita obediência aos preceitos constitucionais, sob pena de que o arbítrio pessoal se sobreponha à lei. Num Estado Democrático de Direito, é o que se espera dos senhores ministros do Supremo: o respeito à Constituição, da qual eles devem ser um atentos guardiões.
A Graça concedida pelo Presidente da República ao parlamentar pelo Estado do Rio de Janeiro, prevista na Constituição Federal, isentou o deputado das punições a ele impostas pelo Supremo. Trata-se de ato límpido, sobre o qual juridicamente não pairam dúvidas.
Quanto a cassação do mandato e a decretação da inelegibilidade, cabe à Câmara dos Deputados e SOMENTE A ELA dar uma resposta à Nação, julgando com total isenção o deputado Daniel Silveira pelos crimes que lhe são imputados.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Belíssima aula de Direito. Deveria ser afixada nos corredores do Supremo, do TSE, do Congresso e do Planalto. A lei foi feita para ser cumprida, por todos, especialmente pelo Supremo. Em caso de dúvida, que se altere a lei, como propõe o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso. (C.N.)