Por Luiz Werneck Vianna* (foto)
Respira-se um ar carregado sob um céu sombrio desses que anunciam tempos de catástrofe. Dia e noite, instalados no poder político, personagens mal-intencionados conspiram para a ruina da democracia brasileira diante de uma sociedade desatenta e entregue às suas fainas habituais, não abdicando sequer de brincar os folguedos de carnaval como se não houvesse amanhã. Nos gabinetes de políticos falsamente atarefados cogita-se sobre qual candidato sem votos recairá a falsa benção de ser o representante de uma 3ª via que pretensamente nos livre disso que aí está, miragem com que se animam as pretensões ególatras de políticos liliputianos.
Embalados nessa cantilena, centrados em seus umbigos, deixam de reparar o abismo que se abre a seus pés e de toda a sociedade com o avanço do fascismo, que apura a sua mira em direção ao STF, até aqui o maior obstáculo aos intentos liberticidas, poder desarmado apenas detentor do bom direito. O cenário internacional com o transcorrer dessa infame guerra na Ucrânia é mais uma pedra no caminho dos que lutam contra os regimes autocráticos, como aqui nas posições favoráveis do atual governo ao regime discricionário russo, em claro desafio às melhores tradições da nossa política externa.
Nesse quadro, que ainda pode se agravar com uma eventual vitória dos republicanos nas eleições legislativas americanas, salvo a UE e a jurisdição benfazeja da ONU nas relações internacionais, somente devemos contar com forças próprias, em primeiro lugar numa articulação inédita das forças políticas, tão ampla quanto possível, a ser amparada por uma corajosa mobilização popular em defesa da economia popular sempre com foco na valorização das nossas instituições democráticas. Tal articulação deve necessariamente incluir o Centrão e todas as forças e personalidades que dependam do voto para a satisfação dos seus interesses. No caso, deve-se destacar a recente manifestação dos presidentes do Senado. Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Artur Lira, em defesa do nosso sistema eleitoral, atacado pelo presidente Bolsonaro em sua estratégia de derruir as bases da nossa democracia.
Na verdade, o que se mantém sob ataque cerrado das hostes antidemocráticas não é um partido ou personalidades singulares, mas a própria conformação do país, com suas instituições, história, tradições e valores, alvos da fúria dos esbirros em sua sanha destrutiva da cultura e das manifestações da vida popular. O caso mais aberrante dessa delirante perseguição está na questão racial posta a Fundação Palmares sob a direção de um burocrata negro negacionista do racismo da sociedade brasileira.
Na questão indígena, num governo de militares abandona-se o legado do marechal Rondon para se investir de modo genocida com suas populações a fim de dar passagem livre em suas terras para os negócios da mineração, e a floresta amazônica é entregue à cobiça do agronegócio e dos madeireiros cuja obra já começa a ameaça-la tornar-se uma savana.
A herança comum que recebemos dos nossos maiores cada dia é degradada. Sob ameaças tão pesadas o que importa é defender o que nos é comum, desconhecendo barreiras entre regiões, classes, entre o moderno e o atraso, por que nada tem escapado do ímpeto de desnaturalizar o que faz Brasil Brasil. Aos Poderes Legislativo e ao Judiciário, investidos da sua alta representação cabe estabelecer um limite institucional às práticas deletérias que minam as nossas fontes de vida em comum. Aos políticos e às lideranças da sociedade civil é dever o procurar linhas de resistência consensuais, nas ruas e no voto, a fim de impor uma derrota ao arbítrio de um governo celerado que se comporta nos moldes de um exército de ocupação em nosso país.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, Puc-Rio
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