por Idiana Tomazelli e Renato Machado | Folhapress
Em clima eleitoral, o Congresso Nacional pisou no acelerador das bondades e aprovou, com apoio da base do governo, uma bomba fiscal, dado seu potencial impacto bilionário nas contas de União, estados e municípios.
Em um único dia, a Câmara aprovou um piso salarial de R$ 4.750 para o setor de enfermagem, enquanto o Senado aprovou uma proposta que estabelece remuneração mínima de dois salários mínimos (ou seja, R$ 2.424) a agentes comunitários de saúde.
Agora, os parlamentares discutem outras iniciativas com impacto para as contas públicas, como a renegociação para devedores da União e até a retirada do Auxílio Brasil do teto de gastos.
Apesar de contrariar a posição da equipe econômica, a aprovação das propostas não enfrentou resistências do Palácio do Planalto. Sem oposição explícita do governo de Jair Bolsonaro (PL), os parlamentares aliados apoiaram em peso as duas medidas, evitando também o desgaste perante seus eleitores.
A briga agora é para decidir quem pagará a conta. Como mostrou a Folha de S.Paulo, só o piso da enfermagem tem impacto estimado pelo Tesouro Nacional em R$ 7 bilhões, no caso de hospitais públicos, e R$ 8 bilhões no caso de entidades filantrópicas (muitas das quais recebem verbas do setor público), chegando a R$ 22 bilhões se incluído o setor privado.
Estimativas do setor, por sua vez, apontam impacto total menor, de R$ 16,3 bilhões para bancar o piso de enfermagem. Seja qual for o custo, parte dele recai sobre os cofres de estados e municípios -que, por sua vez, querem apoio federal para bancar a fatura adicional. No setor privado, o temor é de aumento no número de demissões.
Outros R$ 3,7 bilhões seriam necessários para arcar com o piso para agentes comunitários de saúde, mas a própria emenda jogou a fatura para o colo da União. Por se tratar de PEC (proposta de emenda à Constituição), o texto não é submetido ao crivo do presidente da República e já foi promulgada pelo Congresso.
Já o piso dos enfermeiros será alvo de recomendação de veto pelo Ministério da Economia.
A relatora do piso da enfermagem, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), afirmou que uma reunião com representantes do governo está prevista para a próxima terça-feira (10). A expectativa é chegar a um consenso sobre como financiar o novo piso da enfermagem, evitando o veto.
"Estamos trabalhando em busca de uma fonte de recursos, porque a situação não poderia ficar como estava. É a enfermagem que assiste à população 24 horas. Como é que eu tenho técnico de enfermagem ganhando R$ 1,2 mil com 40 horas nesse país, cuidando de cinco bombas de infusão, com medicação diluída?", questionou a parlamentar.
Há diversas ideias para destinar recursos de royalties de petróleo, dividendos de estatais ou verbas paradas em fundos do governo, além das receitas vindas de eventual liberação de jogos de azar -já aprovada na Câmara. No entanto, nenhuma das soluções soluciona o obstáculo imposto pelo teto de gastos, totalmente ocupado pelas despesas do governo federal.
A parlamentar não confirma oficialmente, mas interlocutores apontam que ela se reuniu com o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para tratar da liberação dos jogos, vista como opção mais viável para financiar o piso em anos futuros.
Equipe econômica torce por chegadas das festas juninas para conter Congresso O time do ministro Paulo Guedes (Economia) vinha alertando para o risco fiscal da criação dos pisos salariais, mas as conversas não surtiram efeito e agora o time teme que haja nova investida sobre o teto de gastos.
A avalanche de projetos com forte apelo popular, mas indesejáveis do ponto de vista fiscal, tem ampliado na equipe econômica o sentimento de torcida pela chegada das festas juninas.
No período, os congressistas retornam às suas bases, e as votações ficam praticamente paralisadas -o que estancaria a pressão sobre os cofres do governo.
A situação do governo é mais complicada no Senado, onde o Palácio do Planalto está há cinco meses sem um líder designado. O senador Carlos Viana (PL-MG) vem atuando em nome do governo informalmente, mas também precisa dividir seu tempo com a sua pré-candidatura ao governo de Minas Gerais.
Até o recesso legislativo, porém, os congressistas já preparam uma nova sequência de projetos com impacto sobre as contas.
Os parlamentares querem destravar um amplo programa de renegociação de dívidas tributárias de grandes empresas, mesmo que isso signifique inicialmente um passo atrás.
A medida já foi aprovada pelos senadores, mas não avançou na Câmara em meio à acusação do governo de que a medida pode causar prejuízo de mais de R$ 90 bilhões em 2022 com descontos em multas e juros.
Os deputados, por sua vez, reclamam que o Senado enterrou o projeto para alterar regras de Imposto de Renda. Por isso, há uma articulação para incluir uma versão abreviada do Refis no projeto do IR para tramitação em conjunto no Senado, agradando às duas Casas.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que inicialmente se mostrava contrário à unificação, mas depois se mostrou aberto à alternativa.
"São duas coisas distintas, dois instrumentos legislativos distintos. Mas nada impede que haja uma construção. Agora, independente do caminho, de um projeto da Câmara ou do Senado, para mim eu considero importante ter a aprovação de um programa de reparcelamento e repactuação de dívidas tributárias como o Refis porque as empresas viveram uma crise sem precedentes no Brasil e precisam ser socorridas", disse.
Câmara tenta suspender aumentos da conta de luz em ano eleitoral A Câmara também aprovou a urgência de um projeto de decreto legislativo para suspender aumentos em tarifas de energia aprovados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), muitos deles próximos dos 20%.
A ideia é adiar o impacto para 2023, evitando repercussão no bolso dos consumidores em ano eleitoral. A proposta foi apresentada pelo deputado Domingos Neto (PSD-CE) sob o argumento de evitar que a conta de luz seja "o grande vilão da inflação".
Após uma alta de preços de 10,06% no ano passado -a maior desde 2015, no governo Dilma Rousseff (PT)-, a inflação prevista pelos economistas está em 7,89% para 2022, ano em que Bolsonaro busca a reeleição. Os deputados e um terço do Senado Federal também tentarão novos mandatos.
Em paralelo, o novo relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), saiu em defesa da retirada do programa Auxílio Brasil do teto de gastos.
"Eu seria favorável", afirmou. "Numa hora dessas você precisa definir prioridades e a prioridade nossa no momento, pós-pandemia, é salvar vidas, dar dignidade para as pessoas e não podemos nos fugir a essa responsabilidade."
Segundo Castro, embora não haja nenhuma proposta concreta sobre o tema, uma exceção desse tipo poderia "salvar vidas".
Pautas corporativas se aproveitam de fragilidade do governo e interesse em popularidade, diz pesquisador O pesquisador Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral, afirma que o governo Bolsonaro tem abdicado, de forma corriqueira, do protagonismo na pauta legislativa, deixando na mão dos congressistas a decisão de quais projetos são ou não prioritários. Para ele, essa opção de "deixar as coisas correrem mais soltas" dá margem a certa extrapolação nas medidas aprovadas.
Além disso, o fator eleitoral tem peso nas negociações de lado a lado. Carazza lembra que Bolsonaro está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto e tem índice de rejeição elevado.
"Isso pode deixar Bolsonaro mais vulnerável a essas pautas, que são também pautas corporativas, que se aproveitam desse momento de fragilidade e ao mesmo tempo do interesse do governo em recuperar popularidade", avalia.
O problema, segundo o professor, é que as propostas aprovadas contratam uma despesa vultosa para o futuro. "Estamos comprando uma situação fiscal e econômica bem complicada para os próximos anos, seja quem for o presidente eleito", diz.
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