Tribunal entrou no jogo do presidente com reações tímidas, excessos e condescendência
Por Bruno Boghossian
O ciclo liderado por Donald Trump pode ter produzido um abalo histórico na Suprema Corte dos Estados Unidos. Com três nomeações, o ex-presidente construiu no tribunal uma maioria que se mostra disposta a reverter o direito ao aborto no país, derrubando um entendimento que está de pé há quase 50 anos.
Governantes populistas costumam tratar as instituições —incluindo o Judiciário— como campos de batalha políticos. Trump conseguiu transformar a Suprema Corte do país numa máquina capaz de lhe oferecer vitórias nessa trincheira. Jair Bolsonaro busca um caminho parecido. Até agora, o brasileiro não conta com maioria no STF, mas seu governo já foi capaz de mudar o tribunal.
Além de puxar integrantes da corte para a arena eleitoral, Bolsonaro encara a composição do STF como um tema de campanha. Ele já prometeu repetir a lógica da indicação de André Mendonça para o tribunal e disse a seus apoiadores que a escolha de dois ministros no próximo mandato é "mais importante do que a eleição para presidente".
Bolsonaro tem a chance de avançar sobre a composição do plenário se for reeleito. Com quatro ministros, ele ainda não teria o domínio da corte, mas dobraria suas chances de interromper julgamentos incômodos ou obter decisões individuais a favor do governo.
Ainda que seja forçado a sair do Palácio do Planalto em 2023, o capitão vai deixar suas marcas: além dos dois bolsonaristas com assento na corte, o STF terminará o governo rendido a uma deformação institucional estimulada com frequência pelo próprio presidente.
O Supremo se tornou uma peça do jogo de Bolsonaro ao oscilar entre reações tímidas às investidas do capitão e alguns excessos nas ferramentas usadas para combatê-las. Somou a isso uma certa condescendência com ameaças militares e uma espera interminável por qualquer sinal de distensionamento emitido pelo Planalto. Essas cicatrizes não devem desaparecer com uma simples virada no calendário.
Folha de São Paulo