Lula e Bolsonaro investem contra teto de gastos, enquanto problema é o déficit
Se há um tema que parece unir os dois líderes nas pesquisas para a eleição presidencial é o teto inscrito em 2016 na Constituição para os gastos do governo, atacado tanto por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto por Jair Bolsonaro (PL).
Ambos pregam o relaxamento do ditame legal na crença equivocada de que ele limita a ação do Estado —quando os limites já estão impostos há tempos pelo excesso de endividamento público.
Não é novidade. No ano passado, a gestão Bolsonaro provocou abalo na credibilidade da política fiscal ao recalcular o teto e promover um calote em dívidas judiciais, o que viabilizou a criação do Auxílio Brasil e também o aumento desmesurado das emendas parlamentares ao Orçamento.
Não surpreende, assim, que o mandatário queira mudanças, convenientemente a serem discutidas apenas após as eleições. Para ele, o teto impede o crescimento dos investimentos e precisa ser revisto.
A justificativa, sem sentido, seria a de que existe um excesso de arrecadação, "na casa de R$ 300 bilhões", que não pode ser usado na infraestrutura. Tal sobra, na realidade, inexiste, pois o Tesouro Nacional ainda será deficitário em R$ 66,9 bilhões neste ano, de acordo com a última projeção do Ministério da Economia.
Para afastar o risco de descontrole financeiro, o governo deveria gerar superávits primários (excluindo os gastos com juros) de pelo menos 2% do Produto Interno Bruto, em um ajuste adicional próximo a R$ 200 bilhões.
A mesma linha inconsequente é seguida por Lula. Com retórica demagógica, o cacique petista diz que o limite aos gastos prejudica a área social e é apenas um meio de para garantir o interesse de rentistas, credores da dívida pública.
É desanimador que o presidenciável não valorize sua própria experiência no primeiro mandato, quando manteve gestão austera do Orçamento e favoreceu a queda dos juros e o crescimento.
Não existia o teto de gastos na época, e tanto receitas como despesas cresceram aceleradamente. Mas ao menos havia responsabilidade em manter saldos nas contas para estabilizar o endividamento.
Os cuidados, porém, foram sendo abandonados —primeiro, de modo justificável, como reação ao impacto da crise global de 2008; depois, no governo Dilma Rousseff (PT), por motivação política e ideológica, com o agravante dos embustes na contabilidade pública.
O teto hoje vigente não precisa ser tido como um dogma, obviamente. Trata-se, isso sim, de um mecanismo que permite alguma perspectiva de reequilíbrio gradual das contas públicas, coisa que qualquer governo, à esquerda ou à direita, terá de oferecer ao país.
Folha de São Paulo