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quarta-feira, maio 04, 2022

A verdadeira herança maldita - Editorial




Bondades eleitoreiras e incontáveis erros acumulados em quatro anos formam o legado desastroso de Bolsonaro para o próximo governo

Uma conta de pelo menos R$ 82,3 bilhões será passada a quem assumir a Presidência da República em 1.º de janeiro. Esse é o custo, por enquanto, das bondades eleitorais do presidente Jair Bolsonaro. Sua campanha de reeleição, extremamente cara, tem sido e continuará, nos próximos anos, sendo financiada com recursos públicos. A soma inclui R$ 41 bilhões da parcela complementar do Auxílio Brasil, R$ 12 bilhões do reajuste dos servidores, R$ 1,9 bilhão do auxílio-gás e R$ 27,4 bilhões de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Se a apuração confirmar as atuais pesquisas de intenção de voto, o sucessor de Bolsonaro terá vários motivos para falar de uma herança maldita.

Essa herança resultará, em grande parte, de medidas improvisadas, como têm sido, com frequência, as iniciativas presidenciais no atual mandato, iniciado em 2019. Nunca houve, nesse período, um plano de governo, com metas, programas e projetos articulados. Nem a saúde fiscal, uma bandeira sustentada com razoável constância pela equipe econômica, tem sido levada em conta, normalmente, nas decisões do presidente. Mesmo com alguma resistência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acabou geralmente acatando as pretensões de seu chefe.

Algumas decisões, como o pagamento do auxílio-gás às famílias pobres, são defensáveis, mas nunca foram integradas em programas de desenvolvimento econômico e de inclusão social. Nem poderiam ter sido, porque programas desse tipo nunca foram formulados. Tributos foram cortados, ocasionalmente, para conter aumentos de preços ou para beneficiar o sistema produtivo. Mas foram sempre soluções tiradas de algum bolso de colete. Até hoje, nada permite, por exemplo, vincular a redução do IPI a uma política de recuperação e de modernização do enfraquecido setor industrial.

Nem se poderia falar de uma política desse tipo. A palavra política raramente foi usada, nos últimos três anos e quatro meses, para denotar um conjunto de ações administrativas com objetivo bem definido e relevante. A constância política tem sido observada, muito mais frequentemente, em outro cenário, o das ações do presidente voltadas para ambições eleitorais e para a preservação de interesses familiares. Quando se trata desses assuntos, o presidente mostra dedicação permanente ao cálculo, às manobras, à mobilização de seguidores e às tentativas de envolver os militares em questões normalmente reservadas, nos países democráticos, à autoridade civil.

Sem planejamento, o presidente deixará como legado os custos de ações improvisadas e de erros acumulados em quatro anos. Para começar, o poder federal terá problemas, em 2023, em relação ao teto de gastos. Será difícil acomodar no limite constitucional as bondades deixadas pelo atual presidente. Já se fala em mudar a regra do teto, mas isso apenas disfarçará o problema fiscal. O Tesouro continuará afetado pelo aumento de gastos e pela redução do IPI.

Confrontado com o desarranjo fiscal, o sucessor de Bolsonaro terá dificuldade para implantar um plano de governo. Pelas projeções do mercado, a economia crescerá só 1% em 2023 e modestos 2% em 2024. Serão taxas insuficientes para um grande ganho real de arrecadação. Além disso, a inflação, segundo as estimativas, baterá em 4,10% no próximo ano e ainda ficará em 3,20% no seguinte, superando a meta oficial (3%) nos dois períodos. Os juros básicos, elevados para conter os preços, estarão em 9,25% no fim de 2023 e em 7,50% no encerramento de 2024. Isso encarecerá o crédito, travará o crescimento econômico e manterá muito caro o financiamento do Tesouro.

Metade do novo mandato estará prejudicada, portanto, pela herança da atual administração. O quadro poderá ser menos tenebroso, em 2024, se o presidente eleito tiver um plano crível de correção fiscal e de desenvolvimento. Populismo poderá atrair votos, mas quem movimenta o dinheiro e financia o Tesouro exigirá mais que isso. Qualquer candidato terá de levar em conta essa diferença, se quiser iniciar o mandato com vento a favor.

O Estado de São Paulo

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