Domínio foi exercido do século 17 ao século 20
Por Felipe Quintas* e Pedro Augusto Pinho*
Observamos nesta série de reflexões, objetivando uma Teoria do Estado Nacional, que certos verbetes, adotados pela academia, na comunicação de massa e, mesmo, na linguagem cotidiana, mais confundem do que esclarecem. Vimos o “mercantilismo”, o “capitalismo” e temos, agora, o “imperialismo”.
Imperium é palavra latina que tem o significado de poder, comando. Foi introduzido no vocabulário moderno pelo inglês “imperialist” – “imperialism”, no século 19, conforme afirma o acadêmico, político e culto galês Raymond Williams (1921–1988) em seu conhecido livro Keywords: a vocabulary of culture and society (1976).
Duas páginas dedica a Enciclopédia Britânica, na edição estadunidense (Universidade de Chicago) de 1951, ao verbete “imperialism”: “Uma política visando a formação e manutenção de impérios”. Conceito de múltiplas compreensões, teve a primeira de Alexandre, o Grande, ao dominar o mundo então descortinado por ele e com as compreensões da época, afirmam os historiadores, desejou constituir uma “cidade”, a megalópole, “onde todos viveriam em harmonia, casando-se e trocando produtos entre si, nas bases civilizatórias helênicas”.
Os conceitos do Imperialismo, desde a antiguidade ocidental, vêm significando um tipo de relacionamento que povos e países tiveram ao longo de toda história, sendo fundados nos pensamentos dominantes. Exemplo: na Baixa Idade Média, prevaleceu o pensamento teológico, transformado em política, sociologia, economia e leis por Tomás de Aquino (1227–1274). Os avanços tecnológicos e sociais nos conceitos de Giordano Bruno (1550–1600) e de Hugo de Grotius (1583–1645), seriam, então, vistos como dissidências, provocando confusões, cismas contrárias à natureza do homem.
Como são vistos hoje os desenvolvimentistas, industrialistas, opositores do domínio financeiro apátrida? Como esquerdistas, comunistas, contrários aos dogmas neopentecostais e dos bancos centrais.
Duas ideias conflitantes acompanharão os imperialismos: a missão civilizadora, desenvolvimentista, educadora do estrangeiro que domina o território de terceiros; ou, pelo outro lado, a espoliação, a escravidão, a miséria deixada pelos imperialistas.
Adotamos, neste estudo dos Estados Nacionais, as denominações Nações Soberanas e Nações Colônias para esta distinção: aquelas que têm autonomia e as que se submetem ao poder (político, econômico, militar, psicossocial ou tecnológico) de outra nação ou de uma ideologia não nacional.
No início de século 16, a Europa já havia alcançado a América (1492), por Cristóvão Colombo a serviço da Espanha; a Índia (1498), por Vasco da Gama, contornando a África, a serviço de Portugal; o Brasil (1500), por Pedro Álvares Cabral, também a serviço de Portugal. E, pouco avançado no século 17, o português Fernando de Magalhães, a serviço da Espanha, inicia a primeira viagem de circunavegação do mundo (1519) que será concluída pelo espanhol Juan Sebastián Elcano (1522), pela morte de Magalhães.
Estes feitos náuticos e conquistadores, mostram quem detinha, à época, as tecnologias de ponta: Portugal e Espanha, ou seja, a Península Ibérica. Havia muito do empirismo, do espírito aventureiro individual, que custou vidas a este desenvolvimento tecnológico, mas houve também a presença árabe, a ciência judia, que ocupou exatamente esta região a partir de 711 d.C. Enquanto os desenvolvimentos artísticos, os pensamentos religiosos, filosóficos, estavam ocorrendo na politicamente fragmentada Península Italiana e nos Impérios Francês e dos Habsburgo (Países Baixos).
Ainda no século 16, por heranças, sucessões e casamentos, os Habsburgos, apoiados pela casa bancária Fugger, dominaram, pelo lado austríaco, os Países Baixos e parte dos territórios de língua alemã, e, pelo espanhol, a Península Ibérica. Fora desta briga em família, se encontravam, no Continente, a França, e nas ilhas britânicas, a Inglaterra. Além destes, e ainda fora da disputa expansionista, estavam os povos nórdicos, os eslavos e o Império Otomano.
Durante os séculos 16 e 17, no auge do poder, sob o reinado de Solimão, o Magnífico, o império multinacional e multilíngue que controlava grande parte do Sudeste da Europa, da Ásia Ocidental, do Cáucaso, do Norte de África e do Chifre da África era o Otomano. Compreendeu 32 províncias e numerosos estados vassalos. No entanto, ensimesmado com seu pensamento e procedimentos, estagnou e perdeu condição tecnológica, defasando-se em relação aos domínios dos Habsburgos, que incentivavam a técnica e a ciência em seus domínios.
Embora tenha sobrevivido até o século 20, foi perdendo territórios, importância econômica, política, até se desfazer, confirmando a antiga tese de que, na disputa entre as nações, somente se mantêm as estruturas político-territoriais capazes de progredir no domínio das técnicas industriais e militares.
No domínio dos Impérios Monárquicos destacaram-se a Espanha, com Felipe II, a França, com Luís XII e XIV, e a Inglaterra, com uma sequência de “revoluções” que moldaram verdadeiro Império Público Privado, de fusão dos interesses privados dos grandes negocistas com os interesses político-territoriais-militares das administrações estatais: Revolução Puritana e a Guerra Civil, República de Oliver Cromwell, Restauração da dinastia dos Stuart e a Revolução Gloriosa (1688) um misto de luta religiosa, fundiária e pelo poder governante.
O Império Português, além de sofrer a interrupção com a União Ibérica (1581–1640), não dispunha de população e riqueza capaz de empreender conquistas como os demais Impérios. Apenas o Brasil, Angola e Moçambique, que também exigiam investimentos para produzir, podiam contribuir com a Metrópole, que, cada vez mais, tornou-se dependente dos seus domínios, em particular do Brasil, cujos ímpetos de Independência eram cada vez maiores.
A maioria das instalações no ultramar eram fortalezas e bases/estabelecimentos comerciais. O historiador Rodrigo da Costa Dominguez credita à formação mercantil financeira, mais intensa do que a militar e a política, o fato de Portugal ser “um mercador” pelos séculos 14 e 15, perdendo a primazia tecnológica (Mercadores e Banqueiros, sociedade e economia no Portugal dos séculos XIV e XV, 2009). E, ainda assim, comete o erro de expulsar os judeus, promovendo o estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536) e privando-se “de judeus e italianos, figuras constantes no meio mercantil” (Rodrigo Dominguez).
Carlos V (1500–1558) teve seu Império formado pela Espanha, Áustria, Alemanha, Países Baixos, reinos de Nápoles e da Sicília, Lombardia, Franco Condado, Artois, Ducado de Milão e de terras no Novo Mundo, nas três Américas, conquistadas pela Espanha. Péssimo administrador, ao abdicar, em 1556, devia aos “banqueiros Fugger, Welser, Schatz e Spínola” vários milhões de ducados e deixava “indisponíveis as receitas das colônias americanas por dois anos” (Pierre Vilar, Histoire de L’Espagne, 1947).
Mas não devia o rei de Espanha apenas ao estrangeiro, o economista dominicano frei Tomás de Mercado (1523–1575) dizia dever à banca sevilhana dos Espinosa, Iñíguez, Lizarrazas, Negrón e Morga “mais do que um oceano” (Suma de Tratos y Contratos (1571), em Instituto de Estudios Fiscales, Madrid, 1977).
Observamos então dois Impérios enfraquecidos, mudando de mãos, mesmo mantendo as aparências de um poder não mais vigente. Este elemento é muito importante para entendermos a formação dos poderes na administração do Brasil, pré e pós-independência.
Podemos, então, concluir que os Imperialismos Monárquicos serão fortemente dominados pelo poder financeiro, segmento do poder econômico.
O que a história nos retratará, a partir do século 17, sob diversas capas, é a luta do poder financeiro para dominar as demais expressões do poder, ora em aliança com uma ora com outras, até se tornar principal, no século 19, conduzida pela Inglaterra. Como demonstra Karl Polanyi em seu livro A Grande Transformação (1944), a Pax Britannica pré-1914 assentou-se no domínio financeiro da City londrina e na utilização da diplomacia e da Marinha britânica para garantir o livre-comércio e a paz internacional, instrumentos de expansão e de retorno dos empréstimos britânicos para todo o mundo.
Nosso erudito leitor estará perguntando: e as grandes revoluções: a industrial (1760), a americana (1775), a francesa (1789) não deflexionaram esta condição, não se desviaram?
A. Efimov e N. Freiberg (História da Época do Capitalismo Industrial, Editorial Vitória, RJ, 1945) afirmam que algumas revoluções tinham caráter nacional (como as irlandesas), outras surgiam em lutas contra opressão local, por interesses particulares de grupos políticos ou econômicos, a única globalidade seria aquela da luta de classe.
Nossa percepção é diferente. Há expressões do poder que buscam se impor a outras expressões e há a condição nacional, fruto da formação demográfica do país e do relacionamento deste povo com seu meio ambiente, elemento da cultura que ali se desenvolve. Assim, não se pode concluir que exista uma ideia, uma ideologia universal que oriente o comportamento humano.
A guisa de exemplo, e olhando a disputa que se trava neste século 21, vemos que o dominante financismo ocidental encontra dificuldade de se unir diante de qualquer conflito, pelos interesses conflitantes de partes da Europa, dos Estados Unidos da América (EUA), dos países caribenhos, sul-americanos e do Oriente Médio. Nem na imposição financeira nem na “universalidade” do humanismo iluminista, o Ocidente encontra uma identidade, o que dirá das perspectivas, ainda mais diversas dos pensamentos orientais, para o “fim da história”, o mundo unipolar.
O que tivemos, do século 17 ao século 20, foi o domínio do Imperialismo Monárquico, seja da nobreza de berço, seja daquela construída com o dinheiro; e sempre pela condução do Estado, diretamente ou por empresas colonizadoras.
Dada a proximidade histórica e a importância para o Brasil, faremos análise específica do Imperialismo Estadunidense, na continuidade do tema.
*Felipe Maruf Quintas é cientista político.
*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
Monitor Mercantil