O slogan veio antes do conceito e se tornou uma casca vazia de conteúdo
Com a proximidade da data marcada (18 de maio) para a escolha de uma candidatura única de União Brasil, MDB e PSDB-Cidadania, a terceira via enfrenta dificuldades crescentes. Pelos personagens em ação e arranjos partidários existentes, a terceira via ainda não deixou de ser uma possibilidade estatística, dada a elevada rejeição dos dois principais candidatos à frente nas pesquisas, para se tornar uma possibilidade real.
O slogan veio antes do conceito e se tornou uma casca vazia de conteúdo. A política dá reviravoltas surpreendentes, e não é impossível que erros sérios dos candidatos na dianteira ressuscitem esperanças de algum outro candidato competitivo na disputa. Hoje é difícil vislumbrar quem possa ser.
Os partidos brasileiros, com raras exceções, não têm programas sérios, e quando os têm, não acreditam neles ou não os seguem. São ajuntamentos em torno de caciques nacionais ou regionais, unidos por interesses. O PSDB, que polarizou com o PT a disputa pela Presidência ao longo de seis eleições, seria o candidato natural a agregar outras legendas em torno de si. A deterioração do cenário político deixou os tucanos sem muro e sem rumo.
Como foram discutidos candidatos antes de programas, tradição pitoresca brasileira, é mais fácil atribuir cálculo político em vez de sinceridade a alguns dos que tentam a união para disputar o Planalto. Luciano Bivar, presidente do PSL, alugou sua legenda para Jair Bolsonaro em 2018 e viu-se da noite para o dia dono da segunda maior bancada da Câmara e da maior fatia dos recursos dos fundos dos partidos. Seu divórcio com o presidente foi disputa paroquial pelo comando da legenda, vencida pelo traquejo de Bivar e pela incompetência de Bolsonaro, que achava que não precisava de partido - e que depois sequer conseguiu formar um.
Bivar uniu-se a um DEM em processo de encolhimento, liderado por ACM Neto, que fez vários acenos a Bolsonaro e, antes da fusão na União Brasil, não descartou apoio ao presidente nas eleições. Bivar lançou-se pré-candidato à Presidência e se afastou das discussões com MDB e PSDB, em um sinal de que disputará sozinho, com votação insignificante.
É inacreditável, assim, que o União Brasil possa ser considerado parte de uma tentativa séria de terceira via. Restam PSDB e MDB, ambos com problemas domésticos graves - em comum, os ensaios às claras, ou ocultos, de frações das máquinas partidárias para derrubar os candidatos declarados até agora, João Doria e Simone Tebet.
João Doria e seu concorrente nas prévias do PSDB, Eduardo Leite, pegaram carona na onda de Bolsonaro em 2018 para abandonar depois a carroça da trupe autoritária do bolsonarismo. A cúpula tradicional tucana negou apoio a Doria, preferindo, primeiro, Leite, derrotado nas prévias. Ao mesmo tempo em que o ex-governador gaúcho insistia em dizer que ainda estava no páreo, dirigentes tucanos agiram para que o partido não apresentasse mais candidato à Presidência - feito inédito na história tucana - e se bandeasse para Simone Tebet, do MDB.
Mesmo tendo governado o Estado mais rico da federação, ter feito boa administração e, com seu exemplo, ter forçado o governo a se mexer para obter vacinas contra a covid-19, Doria tem rejeição muito alta e não se move nas pesquisas, com algo como 3%. Sem traquejo, Leite perdeu o norte, embora ainda conte com simpatias entre os tucanos.
Simone Tebet tem baixa rejeição, e o eleitorado tem pouco conhecimento sobre ela, que fez um trabalho sério na CPI da Covid. Alguns economistas a cargo de seu programa foram do PSDB e, nesse ponto, não seria difícil um acordo com Doria, não fosse o MDB. Renan Calheiros, José Sarney, Eunício Oliveira e outros da nata da “velha política” estão fechados com Lula e pretendem que a legenda não tenha candidato e apoie o ex-presidente. Tebet tem 2% nas pesquisas.
Sergio Moro, uma dissidência no campo de Bolsonaro, tomou um baile dos líderes partidários e será no máximo, e a contragosto, candidato a deputado federal pelo União Brasil, que fulminou sua expectativa de campanha presidencial. Ciro Gomes segue isolado, com potencial de terceiro lugar, onde hoje está nas pesquisas. Seu temperamento o afasta de acordos com o centro e o espaço à esquerda está ocupado por Lula.
A decisão de escolher um candidato único em 18 de maio não ajuda. Critérios para isso sequer foram discutidos e se alguém esperava que até a data um dos pré-candidatos recebesse algum alento das pesquisas, errou. Sem o início da campanha, isso não é possível.
Valor Econômico