Eleitor de oposição não sabe nem por onde começar. Está na hora de lhe fornecer decálogos dos malfeitos deste governo
Por Maria Cristina Fernandes (foto)
O general responsável pela cibernética do Exército tem insaciáveis dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas que elegeu o comandante em chefe e prole. O homem mais rico do mundo, notório crítico da moderação de conteúdo das redes sociais, comprou aquela que é a mais usada pelos políticos. As cúpulas do Legislativo e Executivo agem em sintonia no cerceamento do Supremo Tribunal Federal na contenção da militância mais extremada do presidente da República.
Se alguém ainda cultivava dúvida sobre o potencial de encrencas desta eleição há de tê-las dissipado com os últimos acontecimentos. A única maneira de minimizá-las é com uma campanha em tempo real. Não o tempo das redes sociais, mas aquele da realidade. Daquilo que Jair Bolsonaro, de fato, entregou em seu mandato.
Se o golpismo é alimentado pela voz rouca das ruas, como defendem aqueles que proclamam o apoio popular à ação militar em 1964, não há saída para a oposição senão esclarecer aos eleitores o que Bolsonaro fez com o país.
Quem quer que tenha participado de uma roda com bolsonaristas sabe que eles se valem do simplismo empacotado pelas milícias digitais como verdade irrefutável.
Muitos dos que discordam se resignam a ouvir a ode calados, entre outras razões porque a existência de defensores de Bolsonaro ainda desnorteia. Além disso, são tantos e de tão variada ordem os crimes contra o povo brasileiro cometidos por este governo que fica até difícil saber por onde começar.
Esses brasileiros não contam com a oposição. O líder, cada vez mais ameaçado pela recandidatura presidencial, ainda não decidiu se a campanha é para resgatar biografia ou se para ganhar a eleição.
O que se conhece de sua propaganda até aqui se destina a explicar o que foram os tempos de seu partido no poder para os que não o conheceram. Como se em 2 de outubro o eleitor entrasse na cabine para ser teletransportado para o passado.
O terceiro colocado insiste em tratar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não o atual presidente como seu principal adversário. Como tem uma campanha mais objetiva e direta e menos ditada pelas lutas internas da burocracia do seu partido, arrisca fazer mais estrago no PT do que no bolsonarismo.
Na quarta via todos têm direito constitucional ao esperneio inócuo, assim como é igualmente franqueada a percepção de que se trata de muito barulho por nada.
Esta não é uma campanha sobre egos feridos ou glórias do passado. Não é uma competição de testosterona. Tampouco se disputa a escalação do time a partir de 2024. É uma disputa sobre o aqui e o agora.
Quem tem que estar na vitrine é Bolsonaro. E o alvo não são as bombas que planejou explodir em quartéis nos anos 1980, a tentativa de golpe no 7/9 ou os tanques na Esplanada. Tudo isso é importante para a democracia e também para desviar o assunto. Esta é uma eleição sobre quem aprova e desaprova sua gestão. É um plebiscito sobre seu governo.
Se esta nunca deixou de ser a pauta a ser perseguida, ganhou ainda mais centralidade com o golpismo. Se depois dos estoques de cloroquina e viagra, os militares ainda se arvoram a ditar regras, só a exibição direta, fácil e cristalina dos desastres do capitão será capaz de inibi-los.
Com o perdão pela presunção, talvez seja melhor desenhar. Em forma de decálogo:
1)Aglomerou, combateu o isolamento, alardeou curandeirismo e conspirou contra vacinas. Ao agir pela imunização de rebanho fez com que um país que tem 3% da população mundial acumule 11% dos óbitos pela covid 19.
2)Deixou de investir R$ 8 bilhões em educação e agravou penúria da pandemia. O PNE previa gastos de 10% do PIB em 2024. Hoje está em 5,6%. Registrou o menor número de inscritos do Enem. Deu mais dinheiro para kits robótica do que para creches. Três milhões de crianças estão sem vagas.
3)Produziu a inflação mais alta dos últimos 27 anos. Taxa dos últimos 12 meses já é de 12%. Alta dos alimentos atinge mais os pobres. Metade dos trabalhadores teve reajuste abaixo da inflação. Fechamento de 27 armazéns públicos rifou estoque regulador de alimentos.
4)Levou o Brasil de volta ao mapa da fome. Mais de 116 milhões viviam em algum grau de insegurança alimentar em dezembro de 2020. Aumento de 54% sobre 2018. Desse total, 19,1 milhões não fazem sequer uma refeição por dia.
5)Reduziu o orçamento do programa Casa Verde e Amarela de R$ 1,5 bi em 2020 para R$ 27 milhões em 2021. Paralelamente, destinou R$ 100 milhões para um programa habitacional destinado a policiais federais, militares e civis
6)Aumentou desmatamento em terras indígenas entre 2019 e 2021 na comparação com o triênio anterior em 138%. Proteção ao meio ambiente teve um quarto dos recursos destinados às emendas de relator em 2021. Caiu em mais de um terço o gasto da Funai. Garimpo ilegal avançou 46% em 2020
7)Mais que triplicou registro de armas de fogo. 2021 fechou com um estoque de mais de 2,2 milhões de armas em arsenais particulares Em 2021 a apreensão de armamentos foi metade daquela registrada em 2019. Número de mortes violentas, que havia caído na pandemia, voltou a subir.
8)Desmontou fiscalização dos órgãos do Estado. Canal para denunciar violência contra mulher foi destinado a receber denúncias de militantes antivacinas. Recursos destinados ao combate do trabalho infantil tiveram redução de 95%.
9)Protegeu os filhos de investigação. Flávio Bolsonaro, cujo salário é de R$ 24,9 mil, comprou casa de R$ 6 milhões, apesar de patrimônio declarado de R$ 1,74 milhão. PF intimou Jair Renan, o 04, a depor em inquérito sobre atuação em favor de parceiros junto ao governo em troca de patrocínios. Foi imposto sigilo de cinco anos à atuação do vereador Carlos Bolsonaro na viagem à Rússia. Eduardo Bolsonaro acumula denúncias paralisadas na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados.
10)Indicou, pela primeira vez desde 2003, procurador-geral da República por fora da lista tríplice do Ministério Público Federal e provocou uma paralisação na atuação do órgão. Há 330 processos com foro no STF estacionados na PGR.
Mesmo sem o censo de 2020, cortado do Orçamento, dá pra fazer um decálogo para cada um dos 1460 dias deste governo.
Valor Econômico