Certificado Lei geral de proteção de dados

Certificado Lei geral de proteção de dados
Certificado Lei geral de proteção de dados

domingo, março 06, 2022

Marinheiros ou ratos




Por Eduardo Affonso (foto)

Não fosse a Argentina estar sob uma ditadura nos anos 1970, talvez Alfredo Astiz tivesse sido apenas mais um militar da Marinha — hoje na reserva, tomando mate com os amigos no Clube Naval. Não fossem o despudor e a corrupção dos governos petistas, talvez Jair Messias Bolsonaro continuasse a ser só um deputado do baixíssimo clero — hoje num churrasco com os filhos na Barra da Tijuca, contando piadas de quinta série e discutindo pequenos golpes contra o Erário. Mas havia uma ditadura no caminho de Astiz, e sua vocação se revelou: torturador e assassino. Havia um PT no caminho de Bolsonaro. A retórica o tirou do pelotão dos candidatos folclóricos, e uma facada o levou ao Palácio do Planalto.

“A ocasião faz o furto; o ladrão já nasce feito”, escreveu Machado de Assis. Feito, mas inconcluso — depende de meios, motivo e oportunidade.

Volodymyr Zelensky era, até outro dia, desconhecido fora dos círculos onde se discute geopolítica. Poderia ter sido advogado (é formado em Direito), ter permanecido como ator e diretor (foi um humorista popularíssimo em seu país) — mas fundou um partido e assumiu, na vida real, o papel que interpretava na ficção, o de presidente. No caminho de Zelensky havia uma pedreira: Vladimir Putin. Que, não fosse por uma perestroica em seu caminho, poderia estar aposentado como agente da KGB, tomando vodca numa dacha com os velhos camaradas e falando mal do capitalismo.

“Eu sou eu e minha circunstância e, se não salvo a ela, não me salvo a mim”, escreveu Ortega y Gasset. A circunstância tragou Astiz, que sequestrava e torturava opositores do regime, e os atirava, vivos, ao mar. Deu pedestal a Bolsonaro, que passara a vida ao rés do chão — um pedestal para o qual lhe faltam estatura, compostura, decoro. Abriu caminho para que o Putin burocrata desaguasse no déspota que manda matar quantos ameacem seu poder, no megalomaníaco que pode empurrar o planeta a uma catástrofe nuclear. E fez de Zelensky o líder improvável, o herói inesperado na resistência a uma tirania.

Lula — “é inadmissível que um país se julgue no direito de instalar bases militares em torno de outros países” x “é absolutamente inadmissível que um país reaja invadindo outro país” — e Bolsonaro —“somos solidários à Rússia” x “não vamos tomar partido” — estão cada vez mais próximos um do outro na tibieza e na ambiguidade e mais distantes de se salvar e às suas circunstâncias. Na cola desses dois, o momento tem se encarregado de unir os antiamericanos atávicos e os de ocasião, irmanados no mantra de que é a Otan o grande satã, que na invasão da Ucrânia não há mocinhos nem bandidos, que o caso é “complexo”. Vai mostrar quem acredita na soberania e autodeterminação dos povos, na solução pacífica de conflitos, no respeito às leis internacionais — e quem não.

“É na tempestade em alto-mar que se sabe, de fato, quem é marinheiro, quem é rato”, reza o ditado. A tempestade na Ucrânia é nossa circunstância; nos oferece os meios, os motivos, a oportunidade. E tem nos permitido ver, por inteiro, quem é rato, quem é marinheiro.

O Globo

Em destaque

Artigo de Barroso revela que presidente do Supremo não gosta da Constituição

Publicado em 15 de janeiro de 2025 por Tribuna da Internet Facebook Twitter WhatsApp Email Charge do Cazo (Blog do AFTM) Carlos Andreazza Es...

Mais visitadas