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segunda-feira, março 07, 2022

Guerra na Ucrânia motiva novos embates ideológicos de direita e esquerda no Brasil

Publicado em 7 de março de 2022 por Tribuna da Internet

Imagem analisada visualmente

Charge do Gilmar Fraga (Gaúcha/Zero Hora)

Joelmir Tavares
Folha

A guerra na Ucrânia e suas complexidades embaralharam direita e esquerda no Brasil e evidenciaram diferentes visões dentro dos grupos mais amplos que se organizam em torno dos dois principais pré-candidatos à Presidência, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Como a invasão da Rússia ao país vizinho no leste europeu é um conflito que combina em alta voltagem elementos ideológicos, geopolíticos e econômicos, as expectativas de alinhamento imediato ou repúdio claro a um ou outro lado do embate acabaram sendo turvadas por questões locais.

TUDO DE VOLTA – No pano de fundo está, genericamente, o embate entre o líder russo Vladimir Putin e o governo dos Estados Unidos, via Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Com isso, vieram à tona discussões sobre assuntos como União Soviética, Guerra Fria, imperialismo e globalismo.

Os próprios Bolsonaro e Lula receberam pressões em diferentes sentidos, já que interesses variados estão em jogo. Na cacofonia das redes sociais, rótulos usados para carimbar instantaneamente um “bolsonarista” ou “comunista” não resistiram às primeiras horas do confronto, iniciado no dia 24.

O atual presidente, tratado inicialmente como favorável à Rússia por causa de sua controversa visita a Putin uma semana antes da eclosão do confronto, sofreu críticas pela suposta aliança com um mandatário que teria perfil esquerdista, algo de que vozes inclusive na esquerda discordam. E o ex-presidente, que lidera as pesquisas de intenção de voto para o pleito de outubro, viu setores aliados estimularem uma legitimação da ação de Putin e tomarem partido contra os Estados Unidos, pelo histórico de busca de hegemonia global do país governado pelo democrata Joe Biden.

JANDIRA CRITICA – “É um conflito geopolítico e territorial, e não ideológico”, sintetiza a deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ). “Putin não é um homem de esquerda. Não está em jogo uma disputa entre capitalismo e comunismo”, segue a correligionária de Lula.

Para a parlamentar, que considera a atuação do governo Bolsonaro no caso desastrosa (“sem autoridade para dar uma contribuição”), não cabe debate sobre um princípio que ela julga elementar: o respeito à soberania nacional e à autodeterminação dos povos.

“A nossa posição [dos comunistas] é a de lutar pela paz e buscar uma solução diplomática. O que entendo como mais urgente é o cessar-fogo e a redução das hostilidades. Sanções [contra a Rússia] não funcionam nem militarmente nem economicamente”, segue.

GUERRA SEM DONO – Jandira afirma, no entanto, que “essa guerra não tem um dono só” e que “a responsabilidade da Otan tem que ser considerada”. “A Otan não deveria nem existir mais, deveria ter acabado quando acabou a Guerra Fria. O único ponto de consenso é que, se há um país imperialista hoje, são os Estados Unidos.”

O tom da deputada lembra o de uma nota da bancada do PT no Senado que antecedeu a posição oficial do partido, de teor mais brando, e acabou excluída e desautorizada. O comunicado, cuja divulgação foi atribuída a erro, criticava a “política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia”.

A postura está longe, porém, de ser unanimidade na esquerda, que ao longo dos últimos dias também divergiu sobre uma condenação explícita à ofensiva russa. Líderes do PSB destoaram de nomes do PT, PSOL e PC do B ao repudiarem a invasão sem meias palavras, como mostrou o Painel.

ENTULHO DA GUERRA FRIA – “Não tenho simpatia pela Otan, é um entulho da Guerra Fria, mas é um assunto dos ucranianos”, disse o governador Flávio Dino (PSB-MA).

“De um modo geral, a esquerda fica em muita dúvida [sobre condenar a Rússia e ficar indiretamente do lado dos EUA], por causa da nossa formação anti-imperialista, mas é em razão dessa formação que devemos sustentar a autodeterminação dos povos”, completou.

O dilema sobre o posicionamento também foi visível na base de Bolsonaro, normalmente ágil na disseminação de “narrativas” (versões dos fatos) uníssonas em defesa do presidente.

CARLUXO E MORO – O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho e estrategista digital do mandatário, contestou no Twitter o ex-ministro do governo de seu pai e presidenciável do Podemos, Sergio Moro, por comparar a retórica de Bolsonaro no caso com o discurso do polo oposto.

O ex-juiz escreveu que “a posição do presidente no conflito converge com a da oposição na extrema esquerda, que age como se não houvesse um agressor e uma vítima”. Perfis bolsonaristas rebateram, lembrando que o Brasil votou na ONU a favor da resolução contra a Rússia pela invasão.

Além de Moro, outros pré-candidatos ao Planalto que compõem a chamada terceira via enxergaram em atitudes dúbias um flanco para atacar ao mesmo tempo os dois favoritos da corrida eleitoral. Sobre Lula pesam acusações dos presidenciáveis a respeito de afinidade com países favoráveis à Rússia, como Venezuela, Nicarágua e Cuba.

DISSE LULA – O ex-presidente reforçou sua posição contrária à guerra e em defesa da soberania ucraniana, sem, no entanto, deixar de aludir indiretamente aos EUA.

“As grandes potências precisam entender que não queremos ser inimigos de ninguém. […] É inadmissível que um país se julgue no direito de instalar bases militares em torno de outros países”, disse o petista na quinta-feira (3), durante viagem ao México.

“Trilhões de dólares foram gastos em guerras recentes, no Oriente Médio e na Europa, quantia suficiente para eliminar a fome no mundo, […] no entanto essa quantia foi usada para causar a morte de milhões de pessoas no Iraque, no Afeganistão, na Síria, no Iêmen, no Paquistão.”

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