Guerra tem cessar fogo de cinco horas para retirada de civis de duas cidades
O cessar-fogo anunciado para sábado (5/3), 10º dia da guerra na Ucrânia, fracassou, com ambos os lados se acusando de violar o acordo, enquanto os bombardeios russos continuam em cidades do país.
O Ministério da Defesa da Rússia havia anunciado uma interrupção dos ataques por cinco horas e a abertura de corredores humanitários para a fuga de civis de duas cidades no sudeste da Ucrânia, Mariupol e Volnovakha, a partir das 10h no horário local (4h no horário de Brasília).
No entanto, a Rússia acusou "nacionalistas" ucranianos de quebrar o cessar-fogo. Já o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia culpou a Rússia, acusando o país de seguir com a ofensiva em uma "violação grosseira dos acordos sobre a abertura de corredores humanitários".
"O bombardeio em curso torna impossível a abertura de corredores humanitários para a evacuação segura de civis, a entrega de medicamentos [e] alimentos", tuitou o Ministério das Relações Exteriores.
Apenas 400 pessoas deixaram Volnovakha e assentamentos próximos durante o curto cessar-fogo, segundo autoridades ucranianas. O plano inicial era evacuar mais de 15 mil civis da cidade.
Volnovakha tem apenas 25 mil pessoas e fica localizada no meio do caminho entre Mariupol e Donetsk.
Os moradores de lá disseram ao Guardian que quase todos os prédios foram destruídos ou danificados pelas forças russas.
O deputado local Dmytro Lubinets disse que a luta foi tão intensa que os corpos não foram recolhidos.
O governador regional Pavlo Kyrylenko disse que, "embora tivéssemos a intenção e o transporte necessário para levar muito mais pessoas, tivemos que parar o movimento da coluna porque os russos mais uma vez começaram a bombardear Volnovakha sem piedade, e era muito perigoso se locomover por lá".
A outra evacuação prevista para ocorrer na cidade de Mariupol também foi suspensa.
O vice-prefeito de Mariupol disse que decidiu retirar as pessoas das ruas e interromper a evacuação da cidade, pois a cidade não está segura.
Serhiy Orlov afirmou à BBC que o cessar-fogo "não durou nem 30 minutos" e que há bombardeios contínuos em Mariupol e ao longo da rota de evacuação acordada, perto da cidade de Orikhiv.
"Não é seguro passar por essa estrada por causa desses conflitos", diz ele.
Orlov acusou as forças russas de "genocídio" e disse que estava "com medo" de pensar no que aconteceria com os moradores agora, já que a cidade não tinha água, aquecimento ou saneamento.
O prefeito de Mariupol disse que as forças russas intensificaram os bombardeios na cidade ucraniana desde então.
Vadym Boychenko afirmou que a cidade portuária está em "um estado de sítio muito, muito difícil".
"O bombardeio implacável de quarteirões residenciais está em andamento, os aviões estão lançando bombas em áreas residenciais", disse ele à agência de notícias AP.
Ele acrescentou que os moradores, incluindo mulheres e crianças, foram atacados enquanto tentavam deixar a cidade.
A cidade portuária vem testemunhando intensos bombardeios há dias, enquanto as tropas russas tentam cortar a Ucrânia dessa ligação marítima estrategicamente importante.
Veja a seguir os principais acontecimentos mais recentes da guerra.
Batalhas continuam em outras cidades da Ucrânia
Fortes bombardeios foram relatados em Irpin - uma cidade nos arredores do noroeste de Kiev.
Um grande número de civis está fugindo por uma travessia improvisada que atravessa um rio, porque a ponte original foi destruída
'Civis estão fugindo por uma travessia improvisada'
Pesados bombardeios atingiram Kharkiv e Sumy, no leste, durante a noite
Os combates pesados a noroeste da capital Kiev, em torno do principal aeroporto Hostomel, continuaram no sábado
As forças russas persistem nas tentativas de cercar Kiev, que, junto com Kharkiv, permanece sob controle ucraniano, apesar do pesado bombardeio
As cenas em Markhalivka após ataques aéreos
Pelo menos seis pessoas - incluindo uma criança - foram mortas em um ataque aéreo russo em uma vila rural na região de Kiev, na sexta-feira , segundo autoridades ucranianas.
Escrevendo no Facebook ontem, a polícia disse que mais dois adultos e mais duas crianças também foram hospitalizados no bombardeio na vila de Markhalivka, a cerca de 10 km dos arredores da capital Kiev.
Essas fotos mostram a devastação no local hoje, quando os moradores começaram a limpar os escombros.
'Quem impor zona de exclusão aérea estará participando do conflito', alerta Putin
O presidente russo, Vladimir Putin, descreveu as sanções impostas por nações ocidentais por sua invasão da Ucrânia como "semelhantes a uma declaração de guerra"."Mas graças a Deus não chegou a isso", acrescentou.Putin também alertou que qualquer tentativa de impor uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia seria vista como participação no conflito armado.
Uma zona de exclusão aérea refere-se a qualquer região do espaço aéreo onde foi estabelecido que certas aeronaves não podem voar.
Em um contexto militar, é decretada para impedir que aeronaves entrem no espaço aéreo proibido, geralmente para evitar ataques ou vigilância de uma região.
A zona de exclusão aérea precisa ser controlada por meios militares. Isso pode significar vigilância, ataques preventivos contra sistemas defensivos ou até mesmo derrubando aeronaves que entram na área restrita.
Uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia significaria que as forças militares — especificamente as forças da aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) — se envolveriam diretamente com qualquer avião russo avistado nos céus e o atacariam, caso fosse necessário.
Putin disse ainda que não tem planos de declarar lei marcial na Rússia.
Em um encontro com comissários de bordo da empresa aérea russa Aeroflot, que foi alvo de sanções, exibido em rede nacional, o presidente russo disse que a medida só seria tomada em "casos de agressão externa, em áreas definidas de atividade militar".
"Mas não temos essa situação e espero que não tenhamos uma", disse ele.
Houve rumores de que Putin planejava declarar a lei marcial - que é quando a lei civil normal é suspensa ou os militares assumem o controle das funções do governo.
Ele disse que existem outros estados de emergência especiais que podem ser usados no caso de uma "ameaça externa de grande escala" - mas que ele também não tem planos de introduzi-los.
'Otan dá luz verde a mais bombardeios russos', disse presidente ucraniano
O presidente da Ucrânia condenou os líderes dos países da Otan por descartar repetidamente a decretação do fechamento do espaço aéreo do país em meio à invasão da Rússia.
Volodymyr Zelensky fez um discurso na televisão e disse que a comunidade internacional sabia que a agressão russa contra o país provavelmente aumentaria. Ele comparou a recusa da Otan de fechar o espaço aéreo do país com uma "licença a Vladimir Putin para continuar bombardeando cidades".
"Sabendo que novos ataques e baixas são inevitáveis, a Otan decidiu deliberadamente não fechar o céu sobre a Ucrânia", disse ele em um discurso em Kiev. "Hoje a liderança da aliança deu luz verde para mais bombardeios de cidades e vilas ucranianas, recusando-se a fazer uma zona de exclusão aérea."
Mais cedo ainda na sexta-feira, em Bruxelas, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, descreveu a situação na Ucrânia como "horrível", mas disse que as forças aliadas não entrariam na Ucrânia por terra ou ar.
Os países da entidade argumentaram que uma zona de exclusão aérea obrigaria as aeronaves da Otan a disparar contra caças russos, potencialmente provocando uma Terceira Guerra Mundial.
Número de refugiados vai passar 1,5 milhão em breve, diz ONU
O número de refugiados que fogem da guerra na Ucrânia deve ultrapassar em breve 1,5 milhão de pessoas, segundo a agência da ONU para refugiados (Acnur).
"Esta é a crise de refugiados mais acelerada que vimos na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial", disse o chefe do Acnur à agência de notícias Reuters.
Cerca de 1,3 milhão de pessoas já fugiram de suas casas desde o início da invasão.
A Polônia teria recebido mais da metade de todos os refugiados até agora, de acordo com o presidente do país.
'Muitas pessoas foram para a principal estação de trem em Kiev para deixar a cidade'
'Número de refugiados cresce rapidamente, diz ONU'
O número também é alto em países como Hungria e Romênia.
Mas nem todos os refugiados estão optando por permanecer nos países em que chegam pela primeira vez.
Na Romênia, por exemplo, das 200 mil pessoas que viajaram para lá nos primeiros oito dias da guerra, 140 mil foram para outros países, deixando cerca de 60 mil na Romênia, segundo o Acnur.
Os países que fazem fronteira com a Ucrânia estão, portanto, atuando como a primeira parada para muitas pessoas que fogem da guerra, enquanto viajam para outros países europeus mais distantes.
Protestos contra a guerra pelo mundo
Milhares de pessoas se reuniram em cidades ao redor do mundo para protestar contra a invasão da Ucrânia pela Rússia.
'Manifestantes saíram às ruas de Bangkok, na Tailândia'
'Em Londres, manifestantes se reuniram na Trafalgar Square'
'Manifestações também estão sendo realizadas em Zagreb, na Croácia'
'Milhares se reuniram em Zurique, na Suíça, para demonstrar solidariedade aos ucranianos'
Mais empresas se retiram da Rússia
As empresas de pagamentos Mastercard e Visa anunciaram que estão suspendendo suas operações na Rússia em protesto contra a invasão da Ucrânia.
Em comunicado, a Mastercard disse que os bancos russos não seriam mais suportados por sua rede e qualquer cartão emitido pela empresa fora do país não funcionaria em comerciantes ou caixas eletrônicos russos.
A empresa disse que ouviu parceiros e tomou sua decisão devido à "natureza sem precedentes do conflito atual e ao ambiente econômico incerto".
Enquanto isso, a Visa disse que trabalharia para encerrar todas as transações no país nos próximos dias, acrescentando que os cartões Visa emitidos por instituições financeiras fora da Rússia também deixariam de funcionar no território do país.
A Zara anunciou que fechará todas as suas 502 lojas na Rússia a partir de domingo (6/3). Sua holding, a Inditex, disse que fará o mesmo com sete outras marcas suas.
A marca de luxo Prada também fechará suas lojas.
A Samsung - o principal vendedor de smartphones na Rússia - suspenderá as remessas para o país "devido aos atuais desenvolvimentos geopolíticos". Não está claro se as lojas da Samsung fecharão.
E a empresa de pagamentos online Paypal também encerrou os serviços na Rússia, condenando a "violenta agressão militar" do país.
Russos assumem controle de maior usina nuclear da Europa
'Ucrânia tem quatro usinas nucleares ativas, incluindo Zaporizhzhia'
Na sexta (4/3), as forças russas atacaram e tomaram o controle da maior usina nuclear da Europa, a usina de Zaporizhzhia, no sudeste da Ucrânia.
O ataque deixou diversos mortos e feridos, gerou incialmente temores de uma catástrofe nuclear e foi profundamente condenado por outras potências internacionais.
Um prédio próximo a um dos seis reatores da usina nuclear foi atingido pela artilharia russa, causando um incêndio que depois foi controlado.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que monitora ameaças nucleares, disse que nenhum dos sistemas de segurança do reator foi atingido e que não houve liberação de material radioativo.
Após a tomada de controle pela Rússia, funcionários da usina foram autorizados pelos invasores a permanecer na unidade e a continuar trabalhando. Eles estão monitorando a planta para garantir que ela esteja operando com segurança e que os níveis de radiação estejam normais.
Esta é a segunda usina nuclear ucraniana a cair nas mãos das tropas russas. Eles também assumiram o controle de Chernobyl — o local do pior desastre nuclear do mundo em 1986 — na semana passada.
Imagens de câmera de segurança mostraram um feixe de luz caindo nos arredores da usina e tiros sendo disparados, além de um edifício de treinamento em chamas.
O presidente da Ucrânia acusou a Rússia de apelar para o "terror nuclear". "Europeus, por favor, acordem!", ele disse. "Digam aos seus políticos que as forças russas estão atirando na usina nuclear na Ucrânia."
Líderes mundiais estão acusando a Rússia de colocar em risco a segurança de um continente inteiro depois que suas forças atacaram a usina nuclear de Zaporizhzhia.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse que o ataque "imprudente" da Rússia pode "ameaçar diretamente a segurança de toda a Europa". O presidente dos EUA, Joe Biden, exortou Moscou a interromper suas atividades militares no local, enquanto o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse que os "ataques horríveis" da Rússia "devem cessar imediatamente".Este episódio acontece em meio a alertas das principais autoridades ucranianas sobre um possível colapso nuclear devido a bombardeios russos.
Em linha com a reação do presidente ucraniano, o Ministério das Relações Exteriores do país afirmou que um desastre nuclear em Zaporizhzhia poderia ser pior do que acidentes anteriores em usinas nucleares — como em Chernobyl e Fukushima.
"A Rússia empreendeu conscientemente um ataque armado à usina nuclear, uma ação que violou todos os acordos internacionais dentro da AIEA", diz o comunicado da pasta.O fogo teria sido causado por "contínuo bombardeio inimigo dos edifícios e unidades [da usina]", de acordo com o prefeito Dmytro Orlov, da cidade vizinha Enerhodar.
A Ucrânia tem quatro usinas nucleares ativas, incluindo Zaporizhzhia, que contribui com cerca de um quarto do fornecimento de energia do país e é a maior usina nuclear da Europa.
BBC Brasil