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domingo, março 06, 2022

As sanções contra a Rússia podem derrubar o sistema monetário internacional?

 





Efeito imediato das sanções à Rússia foi destacar o contínuo domínio dos EUA no sistema financeiro internacional

Por Jim O'Neill* (foto)

A selvagem batalha na Ucrânia levou muitos a se perguntarem se o suposto brilhantismo estratégico do presidente russo, Vladimir Putin, é tudo o que foi alardeado. Embora Putin tenha antecipado que a Otan não responderia militarmente à sua guerra, ele parece ter subestimado a capacidade de solidariedade do Ocidente.

Os Estados Unidos e seus aliados e parceiros já implementaram sanções econômicas e financeiras sem precedentes contra o regime de Putin, e a decisão de bloquear o banco central da Rússia aos mercados financeiros internacionais (congelando efetivamente as reservas cambiais do país) é sem dúvida um golpe de mestre.

É fato que a Rússia diversificou suas reservas em relação ao dólar nos últimos anos. Mas a julgar pela escala da resposta internacional e seu imediato impacto na economia russa, essa estratégia parece ter sido insuficiente para manter o acesso ao financiamento de que o país necessita.

Até a Suíça anunciou que participará do novo regime de sanções congelando ativos russos. A menos que a Rússia tenha consideráveis reservas em renminbi chinês ou moedas emitidas por outros países que ainda a apoiam, o aperto em sua economia será inevitável.

Qualquer que seja a resposta da Rússia, a questão agora é o que esses movimentos do Ocidente – e de quase todos os centros financeiros do mundo – significarão para os futuros assuntos monetários e o sistema monetário internacional.

Estamos testemunhando uma consolidação maior do poder dos Estados Unidos por meio do sistema dominado pelo dólar, ou este episódio preparará o cenário para o tipo de fragmentação monetária e financeira que alguns analistas há muito antecipam?

Não consigo me lembrar de um anúncio de política anterior que tenha aumentado as apostas monetárias globais tanto quanto este. O efeito imediato das sanções à Rússia foi destacar o contínuo domínio dos EUA.

Mas também pode forçar muitas economias emergentes a reconsiderarem a abordagem dos livros didáticos para construir reservas em moeda estrangeira para se proteger contra crises econômicas.

A necessidade de tal autosseguro foi a grande lição da crise financeira asiática de 1997-98. Mas agora que o banco central da Rússia perdeu a capacidade de converter suas moedas estrangeiras em rublos, a estratégia parece trazer alguns novos riscos.

Isso é particularmente verdadeiro para países cujas aspirações podem entrar em conflito com as normas predominantes no mundo democrático ocidental – como o fato de ameaçar e depois invadir um vizinho menor obviamente faz.

Não é preciso ser um pensador profundo para perceber que a China deve estar alarmada e descontente com a audácia da guerra da Rússia e da reação ocidental a ela. Se a China buscasse uma ação militar contra Taiwan, também poderia esperar perder muito de seu acesso ao sistema financeiro global.

Pode-se ver por que escapar dessa profunda dependência do sistema monetário controlado pelo Ocidente pode agora se tornar uma prioridade para alguns países.

Se renminbi, rublos, rúpias indianas e outras moedas fossem mais conversíveis para outros países, um sistema monetário internacional fundamentalmente diferente poderia emergir – um no qual os tipos de sanções impostas à Rússia não seriam tão eficazes.

Mas esse cenário permanece improvável, por duas razões interrelacionadas.

Primeiro, há uma razão pela qual a China não fez mais para promover o renminbi como moeda internacional. Nas muitas conferências sobre a ordem monetária global que participei, a mensagem dos estudiosos chineses tem sido clara: seu método preferido para melhorar o sistema atual é expandir o papel dos direitos especiais de saque, o ativo de reserva do Fundo Monetário Internacional.

Isso faz sentido quando se considera o que a internacionalização do renminbi implicaria. Como a China precisaria permitir muito mais liberdade no uso offshore de sua moeda, teria que abrir mão de sua capacidade de manter controles de capital.

Até agora, ela não estava disposta a fazer isso. No entanto, sem a liberalização da conta de capital, nenhum outro país – nem mesmo um tão financeiramente desesperado quanto a Rússia – gostaria de manter suas reservas em renminbi.

Em segundo lugar, mesmo que uma grande potência como a China respondesse às circunstâncias das mudanças de hoje por meio de grandes reformas financeiras, ainda teria que oferecer críveis garantias sobre a segurança e a liquidez das reservas mantidas fora das moedas ocidentais. Caso contrário, por que alguém correria o risco?

Mais uma vez, parece improvável que a China busque quaisquer reformas que exijam mudanças radicais em seu próprio modelo econômico e regulatório.

Se a China conseguisse aceitar esses desaforos e abrisse seu sistema financeiro, mudanças estruturais na ordem monetária global quase certamente se seguiriam.

Mas, mesmo nesse caso, as mudanças não aconteceriam a tempo de poupar a Rússia das consequências do comportamento pavoroso de seu presidente.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

*Ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management e ex-ministro do Tesouro do Reino Unido, é membro da Comissão Pan-Europeia de Saúde e Desenvolvimento Sustentável

InfoMoney

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