João Gabriel de LimaEstadão
As eleições presidenciais de 2002, que opuseram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB), foram sacudidas por dois crimes – e cada um incomodou uma candidatura. O assassinato do prefeito Celso Daniel, em janeiro, chamou atenção para a cidade paulista de Santo André, um foco de corrupção petista. O outro crime ocorreu num Estado, o Espírito Santo, cujo governador havia sido eleito pelo PSDB. O advogado Marcelo Denadai, que investigava crimes de corrupção, foi morto em abril com três tiros, na Praia da Costa, em Vila Velha.
O assassinato de Denadai foi o auge de um processo de deterioração das instituições capixabas. A corrupção generalizada afastou empresas como a Xerox, que decidiu se retirar do Espírito Santo em 2001. A criminalidade atingiu níveis alarmantes. Os dois principais líderes políticos locais, o governador José Ignácio e o presidente da Câmara, José Carlos Gratz, acabaram condenados pela Justiça numa infinidade de processos.
E TUDO MUDOU… – Passados 18 anos, o Espírito Santo é um Estado com dinheiro em caixa e criminalidade em queda, e foi a unidade da Federação que mais avançou no Ideb, o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica, entre 2013 e 2017. Qual a razão do milagre?
A resposta está no livro, ainda inédito, “Decadência e Reconstrução”, de autoria de Carlos Melo e Milton Seligman, professores do Insper, e da jornalista Malu Delgado. Se fosse possível resumi-la em duas palavras, elas seriam: sociedade civil.
Cidadãos capixabas de diferentes áreas e correntes políticas se uniram para resgatar o Estado. Professores universitários e líderes sindicais criaram o fórum Reage Espírito Santo, liderado pelo advogado Agessandro Pereira, da OAB local, e pelo arcebispo de Vitória, d. Silvestre Scandian. A eles se juntaram empresários locais, que formaram o movimento Espírito Santo em Ação.
NOVO GOVERNADOR – Apoiado pelos movimentos, Paulo Hartung foi eleito governador. Sua habilidade política foi essencial para trazer paz a um Estado conflagrado. A capacidade de fazer acordos é inerente ao bom político, assim como a habilidade com as mãos é essencial ao pianista – um político que não gosta de acordos é como um músico que acha melhor tocar piano com os pés.
Na ocasião, Hartung, oriundo do PSDB, pelo qual se elegera prefeito de Vitória, passou por cima da polarização nacional e convidou Lula para uma visita ao Espírito Santo. Lula aceitou, e a parceria entre Estado e governo federal foi essencial no combate à criminalidade e à corrupção.
Hartung, personagem do mini-podcast da semana, hoje está envolvido com outra causa. Ele é um dos coordenadores da mobilização de CEOs para reverter a tragédia na Amazônia, onde o índice de desmatamento aumentou 34% entre agosto de 2018 e julho de 2019.
FALTA FISCALIZAÇÃO – “É necessário combater com firmeza as irregularidades e os crimes ambientais”, diz Hartung, diante de uma queda de 25% dos autos de infração contra tais crimes. Os empresários se juntaram a organizações de defesa da floresta, como o Imazon e o Instituto Clima e Sociedade, e receberam na terça-feira a adesão de ex-ministros da Fazenda de todo o espectro político.
A sociedade civil é o que o Brasil tem de melhor. Cabe a ela inspirar e pressionar o poder público em momentos – como o da crise no Espírito Santo, ou o da tragédia amazônica – em que parece faltar vontade, competência ou senso de urgência.