Paulo Celso PereiraO Globo
Desde a redemocratização, nenhum partido conseguiu chegar perto de controlar sozinho a maioria do parlamento. Ainda assim, os ex-presidentes Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff tiveram durante boa parte de seus governos bases aliadas que lhes asseguraram inclusive a aprovação incontáveis mudanças constitucionais.
Deputados federais e senadores chegaram ao Congresso pelo mesmo voto popular que instalou Jair Bolsonaro no Planalto. A legitimidade de ambos é, portanto, a mesma. O problema é que o partido do presidente saiu das urnas com apenas 10% da Câmara e 5% do Senado – ou seja, quase nada. Ainda assim, o presidente negou-se nos últimos três meses e meio a sentar para conversar com as demais legendas.
DOIS MOTIVOS – Há um motivo aparentemente nobre e outro claramente vulgar para tal escolha: o primeiro, a promessa de não aceitar indicações políticas para evitar que se repitam casos de corrupção; o segundo, a pouca disposição do novo presidente para abrir-se ao diálogo e ceder em posições radicais.
A negociação às claras, inclusive de ministérios, é legítima e ocorre cotidianamente em países desenvolvidos. O princípio é simples: cabe ao governo refletir opiniões da maioria da sociedade, cedendo e dialogando com seus representares legitimamente escolhidos. O problema das coalizões feitas nas últimas décadas no Brasil não foi exatamente a entrega dos nacos de poder, mas o uso que foi feito deles.
BASE ATROFIADA – Nas três primeiras semanas de funcionamento do Congresso, a atrofia da base presidencial ficou evidente. Na Câmara, um decreto que tratava de sigilo de documentos foi derrubado com mais de 350 votos contra o governo, enquanto no Senado o ex-ministro Gustavo Bebianno acabou convidado a depor.
Ainda que a agenda econômica tenha apoio mesmo entre parlamentares que não cogitam se aproximar do governo, é imperativo que o Planalto monte uma base que permita o andamento de sua pauta congressual. Para tal, será inevitável deixar de lado o palanque eleitoral e abrir-se ao diálogo.