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O
QUE É O FRACIONAMENTO DE DESPESAS? E COMO EVITÁ-LO?
Estamos
de volta! Falarei agora de um assunto relativamente avançado. Trata-se de
prática que tanto a lei quanto os órgãos de controle proíbem, mas que pode eventualmente
ocorrer se a atuação da área administrativa de compras não estiver devidamente
atenta e precisa.
Você já sabe bem o que são as modalidades
de licitação (está nos faltando estudar apenas o pregão!) e sabe também o que são as contratações diretas – dispensa e inexigibilidade.
Agora entenderá o que é o chamado fracionamento de despesas.
Indo direto ao ponto, de forma bem
prática, fracionar despesas é burlar a Lei Geral de licitações. Nada mais é do
que a fuga ao procedimento licitatório determinado pela lei.
Atribui-se ao fracionamento de despesas
situação em que se divide a despesa em tantas partes quantas necessárias para utilizar-se de modalidade inferior (ou
menos rigorosa) à determinada pela lei ou, ainda, para utilizar-se de contratações
diretas (dispensa, por exemplo).
Se a Administração pretende adquirir dez computadores, não poderá fatiar esta compra em três ou quatro
processos, de modo que individualmente não ultrapassem o limite da dispensa, que é de R$
17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais). É
dizer: se cada computador custa aproximadamente R$ 2.000,00 (dois mil
reais), o total desta aquisição seria de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Não se admite fatiá-la em dois ou três processos, cujos valores estimados
seriam inferiores ao limite permitido para dispensar o procedimento licitatório.
A vedação ao fracionamento
de despesas está contida na Lei Geral, especialmente no parágrafo quinto do
artigo 23 e na parte final das redações dos incisos I e II do artigo 24.
É necessário salientar,
neste ponto, que o assunto aqui apresentado nada tem a ver com as hipóteses
previstas na própria lei nº 8.666, de 1993, em seus artigos 15 e 23 parágrafos
primeiro e segundo, os quais preveem a prática do parcelamento das contratações
visando melhores condições de economicidade, economia de escala e ampliação das
condições de competitividade. Lá estão contempladas práticas positivas, que
trazem benefícios à Administração.
O ponto de sensível diferenciação é o de que, ao se parcelar, não se fala em
alteração da modalidade de licitação. Distinto, portanto, do fracionamento de
despesas que ocorre quando, por exemplo, uma aquisição inicialmente desenhada
na modalidade de tomada de preço acaba sendo efetuada por convite, ou mesmo por
dispensa de licitação.
Mais uma vez servimo-nos destas argumentações para falar das Dispensa nº
282-D/2018, valor R$ 17.490,00 e Dispensa nº 283-D/2018, valor R$ 5.000,00.
Embora
já tenha a empresa de Consultoria AFINCO, contratada por 405.000,00, com
parcelas mensais de R$ 22.500,00, contratada com Dispensa de Licitação, agora
surge a empresa MF Passos Contabilidade, contrato nº 002-D/2018
Inexigibilidade, R$ 114.000,00.
A
coisa pública em Jeremoabo, agora virou propriedade particular, os princípios
constitucionais foram esquecidos e a Lei Geral das Licitações inexiste!
Pesquisando na internet,
vejamos o que encontrei:
DECISÃO
PENAL.
CONDENAÇÃO DO AGRAVANTE PELO CRIME DE
DISPENSAR OU INEXIGIR LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI, OU DEIXAR
DE OBSERVAR AS FORMALIDADES PERTINENTES À DISPENSA OU À INEXIGIBILIDADE (ART.
89 DA LEI 8.666/93). 1. REPERCUSSÃO
GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. DESNECESSIDADE DE EXAME. ART. 323, PRIMEIRA
PARTE, DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. PECULIARIDADES
CONCERNENTES AO TIPO PENAL: MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL: OFENSA REFLEXA À
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 3. NECESSIDADE
DE REEXAME DOS FATOS E DAS PROVAS DOS AUTOS: INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.
Relatório
1. Agravo de instrumento contra decisão
que não admitiu recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc.
III, alínea a, da Constituição da
República.
2. O recurso inadmitido tem como objeto o
seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“PREFEITO
MUNICIPAL – LICITAÇÃO – FRACIONAMENTO – CRIME DE MERA CONDUTA – DEMONSTRAÇÃO
ATRAVÉS DA EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS. PREFEITO MUNICIPAL QUE CONTRATA OS
SERVIÇOS DE OFICINA MECÂNICA, SEM LICITAÇÃO, EM DIVERSAS OPORTUNIDADES
FRACIONANDO AS DESPESAS ATRAVÉS DA EMISSÃO DE NOTAS COM DADOS DIFERENCIADOS,
INCORRE NAS PENAS DO ART. 89 DA LEI 8.666, TANTO ELE COMO O PROPRIETÁRIO DA
OFICINA, POR FORÇA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO CITADO ART. 89. DECISÃO BASEADA EM
AMPLA PROVA DOCUMENTAL, REPRESENTADA PELAS NOTAS FISCAIS EMITIDAS, APOIADA NOS
RELATOS DAS TESTEMUNHAS. EM QUE PESE TENHA FICADO DEMONSTRADO QUE HOUVE
PREJUÍZO AO MUNICÍPIO, TRATANDO-SE DE CRIME DE MERA CONDUTA, SENDO
DESNECESSÁRIO QUE O AGENTE POLÍTICO TENHA A INTENÇÃO DE LESAR O ERÁRIO, QUANTO
MAIS, QUE REALMENTE TENHA OCORRIDO EFETIVA LESÃO AO ENTE PÚBLICO. AÇÃO JUGLADA
PROCEDENTE” (fl.
2830).
Tem-se, ainda, no voto condutor:
“O
crime do art. 89 da Lei 8.666 é de mera conduta, consumando-se com a omissão em
não licitar, nos casos que estão fora das hipóteses dos arts. 24 e 25 do mesmo
diploma legislativo. Ao contrário do que diz Marçal Justen Filho, desnecessário
que a conduta do agente esteja impregnada do dolo específico de causar prejuízo
ao ente público. Fosse necessária a intenção de causar prejuízo ao erário,
beneficiando alguém, o crime de contratar sem licitar, confundir-se-ia com o
peculato, delito que já tem tipicidade própria e admite tentativa, art. 312 do
Código Penal, ou em se tratando de Prefeitos, art. 1º, inc. I, do Decreto Lei
nº 201.
Assim,
no crime do citado art. 89, é bastante o dolo de omitir deliberadamente a
licitação, seja por capricho do agente da administração pública, seja por
aversão à burocracia, seja para poder contratar por preço que beneficie alguém
ou ao próprio administrador. Pode ser benefício moral ou econômico.
No
caso dos autos, ficou provado que nos anos de 2002 e 2003, o Município de
Arvorezinha gastou mais de trezentos mil reais em consertos de máquinas e
viaturas, tudo sem licitação, sendo que a parte mais expressiva desse valor,
foi pago à oficina mecânica do acusado Fabiano Signor.
(...)
Diante
de todos (...) elementos de prova que se encontram nos autos, flui o
entendimento de que através de fracionamento, em diversas oportunidades, o
Prefeito Reginato Velere deixou de proceder licitação, para reforma das
máquinas do Município de Arvorezinha, objetivando dar preferência à oficina mecânica
de Fabiano Signor (...).
Baseado
em todos esses elementos que a prova autoriza, é que estou votando no sentido
de julgar procedente a ação penal e condenar Sérgio Reginatto Velere e Fabiano
Signor, como incursos nas sanções do art. 89 e seu § único, respectivamente, da
lei 8.666, duas vezes, na forma do art. 71 do Código Penal” (fls. 2834-2835, e
2845).
Os embargos de declaração opostos pelo
Agravante foram rejeitados (fls. 2869-2871).
4. Em seu recurso extraordinário, o
Agravante alega afronta ao art. 5º, inc. LV, da Constituição da República e
argumenta, entre outras questões, que:
“No
caso dos autos, o recorrente alegou relevante fato justificador da autorização
do conserto de veículos e máquinas sem o devido processo licitatório. Motivo
pelo qual, requereu lhe fosse dada a oportunidade de demonstrar, por outros
meios que não o documental, o correto emprego dos recursos, o que afastaria a
tipicidade do crime do art. 89 da Lei 8.666/93.
37.
Baseado no entendimento de que não é necessária a demonstração de qualquer
prejuízo financeiro aos cofres públicos do TJRS entendeu desnecessária a prova
pericial. Mas, e se a perícia contábil demonstrar que o preço pago pelos
serviços mecânicos realizados nas máquinas e equipamentos pesados do Município
de Teutônia (que foram realizados de forma emergencial), estava de acordo com
os aplicados no mercado, de forma a demonstrar a ausência de qualquer prejuízo
financeiro em consequência do ato administrativo?
(...)
39.
Vê-se, assim, que a todos é garantido, constitucionalmente, o direito de provar
os fatos alegados, o que vem expresso no inciso LV do art. 5º da Constituição
Federal. O impedimento da produção de prova pericial, como no presente caso
concreto, viola o direito de todo o indivíduo ao contraditório e à ampla
defesa, eis que não permite que a parte interessada comprove, efetivamente,
aquilo que alegou.
(...)
50.
Por certo que, ao produzir tal prova afastada restaria a tipicidade do delito
previsto no art. 89 da Lei 8.666/93” (fls. 2958-2959, e 2961).
Examinada a matéria posta à apreciação,
DECIDO.
5. Em preliminar, é de se ressaltar que,
apesar de ter sido o Agravante intimado depois de 3.5.2007 e constar do recurso
extraordinário a defesa da repercussão geral da questão constitucional, não é o
caso de se iniciar o procedimento para a aferição da sua existência, pois, nos
termos do art. 323, primeira parte, do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal – com a redação determinada pela Emenda Regimental n. 21/2007 -, esse
procedimento somente terá lugar “quando
não for o caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão”.
Essa é a situação do caso em exame, em que
a análise da existência, ou não, da repercussão geral da questão constitucional
torna-se dispensável, pois há outros fundamentos suficientes para a
inadmissibilidade do recurso.
6. Para julgar
procedente a ação penal e condenar o Agravante pela prática do crime previsto
no art. 89, caput, da Lei 8.666/93 (“Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses
previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa
ou à inexigibilidade”), o Tribunal a quo apreciou os fatos e as provas dos autos e partiu da premissa
de que esse delito seria de mera conduta, enfatizando ser “desnecessário que a conduta do agente est[ivesse] impregnada do dolo específico de causar
prejuízo ao ente público” e, se “[f]osse necessária a intenção de causar prejuízo ao erário, (...) o crime
de contratar sem licitar confundir-se-ia com o peculato, delito que já tem
tipicidade própria e admite tentativa, art. 312 do Código Penal, ou em se
tratando de Prefeitos, art. 1º, inc. I, do Decreto Lei nº 201 (fl. 2834).
7.
Dessa forma, a afronta à Constituição da República, se houvesse,
seria indireta, pois seria imprescindível a prévia análise da legislação
infraconstitucional pertinente (arts. 24, 25 e 89 da Lei 8.666/93, art. 312 do
Código Penal e art. 1º, inc. I, do Decreto Lei 201/67),
ao que não se presta o recurso extraordinário.
8. Ademais, para
decidir de forma diversa do Tribunal a
quo e concluir pela necessidade da prova pericial mencionada pelo Agravante,
seria imprescindível adotar
outra versão dos fatos e das provas que não aquela utilizada para fundamentar o
acórdão recorrido, o que somente seria
possível mediante reexame do conjunto probatório que permeia a lide, ao que não
se presta o recurso extraordinário (Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal).
9. Pelo
exposto, nego seguimento a este agravo (art.
38 da Lei 8.038/90 e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal).
Publique-se.
Brasília, 4 de dezembro de 2009.
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora