Valterci Santos/ Gazeta do Povo
Mudanças no perfil da população devem fazer categoria encolher em algumas décadas e, com menos profissionais no mercado, empregador terá de pagar mais
Publicado em 06/05/2011 | João Pedro Schonarth
O acesso mais amplo dos jovens à educação está mudando o perfil dos trabalhadores domésticos, e no longo prazo pode provocar um “apagão” que, por outro lado, levará a uma valorização da categoria. De acordo com o estudo “Situação atual das trabalhadoras domésticas no país”, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a média de idade das domésticas está aumentando, e a participação das jovens no total de trabalhadoras está cada vez menor.
Com mais escolaridade, as jovens perdem o interesse pelo trabalho como domésticas. Assim, quando as gerações atuais de trabalhadoras se aposentarem, haverá bem menos profissionais no mercado. “É possível pensar que, dado o processo de envelhecimento populacional e o surgimento de novas possibilidades ocupacionais para jovens trabalhadoras, o trabalho doméstico, da forma como conhecemos hoje, tende a reduzir-se drasticamente”, avalia o estudo.
Lenta evolução
As domésticas levaram cinco décadas para conseguir os mesmos direitos que boa parte dos trabalhadores brasileiros já tinham desde os anos 40.
1943 – a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que criou a maioria dos atuais direitos trabalhistas, deixa de fora as empregadas domésticas.
1972 – o trabalho doméstico remunerado é reconhecido como profissão. Entre outras definições, a lei exige idade mínima de 16 anos.
1988 – a Constituição Federal garante às domésticas salário mínimo, 13º salário e licença-maternidade de 120 dias.
2001 – as domésticas ganham seguro-desemprego e Fundo de Garantia, mas dependem da escolha do empregador.
2006 – uma nova lei garante o direito a férias de 30 dias, estabilidade para gestantes e folga nos feriados, além de proibir que o empregador desconte gastos com moradia, alimentação e higiene pessoal.
Fonte: Ipea
Salário
Renda média está abaixo do mínimo
As mulheres negras representavam, em 2009, 61,6% do total de mulheres ocupadas no trabalho doméstico. O Ipea detectou um aumento na participação deste grupo ao longo do tempo, já que em 1999 essas mulheres correspondiam a 55% do total. Além disso, de acordo com o estudo, 17% das mulheres ocupadas em 2009 tinham o trabalho doméstico como principal fonte de renda.
O salário pago às trabalhadoras domésticas no Brasil em 2009 era, em média, de R$ 386,45 por mês. Entretanto, o salário mínimo nacional, naquele ano, era de R$ 465. O Ipea mostra ainda que a renda das empregadas domésticas formalizadas era de R$ 568 por mês.
Atualmente, o piso da categoria no Paraná corresponde à primeira faixa do salário mínimo estadual, de R$ 708,14. De acordo com o Sindicato dos Empregados Domésticos do Paraná, a data-base dos trabalhadores domésticos é agosto, e por isso os valores ainda não foram atualizados. Por enquanto, profissionais desta categoria devem ganhar, no mínimo, R$ 688,50 no Paraná. (JPS)
Colaborou Elen Canto.
Natalia Fontoura, pesquisadora do Ipea e uma das autoras do documento, acredita em uma melhora na qualidade de vida dessas trabalhadoras: quando o mercado não tiver tantas profissionais à disposição, o empregador precisará pagar mais. “Hoje elas ganham pouco e são discriminadas, mas no futuro a situação pode mudar. Como as jovens não tendem a entrar neste trabalho porque podem optar por melhores condições, a tendência é que elas possam ser mais valorizadas, tanto financeiramente quanto profissionalmente”, estima Natalia.
Mas, para o presidente do Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, as políticas públicas adotadas pelo Estado não dão condições para uma maior formalização e, por consequência, um aumento da renda e da qualidade de vida das trabalhadoras. “O governo é míope em relação a essas trabalhadoras, são necessárias políticas públicas urgentes para que haja um movimento de regularização. Essas profissionais são discriminadas pelo próprio governo, que estimula a ilegalidade”, critica Avelino. Ele considera que, como a oferta dessas profissionais tem diminuído e a demanda aumentado, a tendência é de que elas passem a receber por hora de trabalho. “Isso é o que já acontece em países desenvolvidos”, salienta.
Uma das medidas do governo para aumentar a formalização, a medida que permite ao empregador descontar na declaração do Imposto de Renda os gastos com contribuições à Previdência Social, não atingiu o objetivo desejado. Segundo o Ipea, a quantidade de domésticos que recolhiam para o INSS manteve a mesma trajetória de crescimento entre 1999 e 2009, saindo de 25,9% para 30,1%.
Educação
As trabalhadoras domésticas brasileiras também estão estudando mais, de acordo com o estudo. Entre 1999 e 2009 elas aumentaram o tempo na escola, que passou de 4,7 anos para 6,1 anos. Entretanto, esse número é muito menor que a escolaridade média das brasileiras ocupadas que não são domésticas.
Antônia Rosa Silva Santos é um exemplo desse novo perfil de trabalhadora doméstica. Aos 59 anos, ela voltou a estudar e está cursando a quarta série. Ela saiu de Cianorte, no Noroeste do Paraná, com destino a Curitiba há 13 anos. Desde então não teve nenhuma renda fixa, vivendo de pequenos serviços feitos na casa de vizinhos. “Eu trabalhava na roça e meu marido decidiu vir para Curitiba. Viemos, mas depois ele me deixou. Eu tive de cuidar dos meus cinco filhos com essas faxinas e com a ajuda de vizinhos. Eu comecei a estudar porque não tive condições quando era nova. Não sabia ler e agora posso pegar ônibus e contar dinheiro, coisas que não fazia antes”, comemora. “Nem penso em parar de estudar”, acrescenta Antônia, que agora dá exemplo aos filhos, fora da escola.
Fonte: Gazeta do Povo