Economia
Segunda-feira, 30/05/2011
Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Ligação clandestina em Curitiba: Aneel alega que novo sistema beneficiaria classes mais pobresEntidades de direitos do consumidor alegam que eletricidade é serviço que não pode ser interrompido de forma repentina
Publicado em 30/05/2011 | Alexandre Costa Nascimento e Elen Canto, especial para a Gazeta do PovoA iniciativa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de criar um sistema pré-pago de conta de luz enfrenta resistência unânime dos principais órgãos de defesa do consumidor. A iniciativa, ainda na fase de estudos técnicos, deverá passar por uma consulta pública programada para o segundo semestre. Mesmo assim, entidades já manifestam contrariedade, alegando que a possibilidade da interrupção repentina do serviço poderia causar um “apagão” nos direitos já consolidados ao consumidor regular de energia elétrica.
Pela proposta, o consumidor poderá comprar créditos em um sistema semelhante ao que existe hoje na telefonia móvel, tendo seu consumo deduzido deste valor. O sistema, então, emitirá um alerta sonoro e luminoso quando os créditos estiverem acabando, indicando a necessidade da compra de mais crédito. O pré-pagamento será uma opção a mais ao consumidor e não substituirá a conta convencional.
Experiências
Modelo é adotado em outros países
A adoção do sistema pré-pago de energia elétrica em outros países é um dos argumentos dos que defendem a implantação do modelo no Brasil, como as concessionárias e a própria Aneel. Segundo a agência, países como Reino Unido, Peru, Estados Unidos, França, Austrália, África do Sul, Colômbia, Argentina e Moçambique já adotaram a conta pré-paga. A Aneel cita ainda pesquisas feitas na Colômbia e Argentina que demonstrariam índices superiores a 80% de aceitação e satisfação dos consumidores.
Para Maria Inês, da ProTeste, não é possível comparar diretamente a realidade dessas países com a do Brasil. “No Reino Unido, já existe o fornecimento de luz pré-pago, mas quando você passa pelos bairros mais pobres à noite, vê muitas casas com a luz desconectada”, alega.
Segundo a coordenadora, o fato de o Brasil ter uma população de baixa renda maior que no Reino Unido impede a “importação” do modelo. “O que nos preocupa é que governo deve pensar em formas de proporcionar descontos e tarifas sociais para consumidores de baixa renda”, avalia.
De acordo com a Aneel, a modalidade propiciará ao usuário uma melhor gestão do consumo de energia, pela possibilidade de monitoramento do consumo em tempo real. Mesmo assim, a coordenadora do Procon-PR, Claudia Silvano, qualifica a proposta de “complicada”. “É uma iniciativa polêmica, já que [o fornecimento de energia elétrica] é um serviço essencial, que diz respeito diretamente à dignidade da pessoa humana. Essa possibilidade da interrupção repentina do serviço é negativa, retirando direitos já consolidados ao consumidor regular”, avalia.
Preço
A coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (ProTeste), Maria Inês Dolci, diz que o modelo poderia ser adotado por usuários que utilizam casas de campo ou de praia esporadicamente. Ela, no entanto, ressalva que, a exemplo dos telefones pré-pagos, o custo do quilowatt-hora tende a ser mais caro, além de causar o desligamento imediato ao fim dos créditos.
“O sistema é extremamente perverso, sobretudo com clientes de baixa renda. As concessionárias não estão preocupadas com o cliente de baixa renda, mas com aquele que pode pagar. É uma forma encontrada para se livrar desse público e da inadimplência no setor”, avalia.
Já o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) interpreta que a conta de luz pré-paga fere a Constituição, a Lei de Concessão de Serviços Públicos e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Segundo o CDC, o sistema de energia elétrica é um serviço essencial à população (Lei n.º 7.783/1986), devendo, por isso, ser prestado “com qualidade, eficiência e continuidade”. “Ao permitir o sistema pré-pago de energia, as entidades avaliam que a Aneel está autorizando que os consumidores com exacerbada condição de vulnerabilidade e hipossuficiência fiquem sujeitos de forma compulsória à conveniência e arbítrio das concessionárias”, acusa a entidade.
Segundo a ProTeste, apesar de a iniciativa já ter sido rechaçada pelos órgãos de defesa do consumidor em consultas públicas já realizadas, a Aneel voltou a propor o modelo através da Resolução 414/2010. Em agosto do ano passado, a entidade protocolou na agência reguladora um ofício questionando a inconstitucionalidade da medida.
Baixa renda
Fontes ligadas ao setor elétrico avaliam que, por trás da iniciativa, estaria o objetivo das concessionárias de reduzir as ligações clandestinas, oferecendo uma possibilidade ao consumidor de baixa renda de aderir à rede regular mediante um sistema de tarifa reduzida. Por outro lado, ressaltam as entidades, a proposta não traz nenhuma obrigação de que a tarifa pré-paga seja reduzida.Segundo a Copel, o Paraná apresenta um porcentual de perdas – tanto técnicas quanto comerciais – entre 7% e 8%, que é considerado baixo em relação ao índice de outros estados. A companhia não quis comentar a proposta da Aneel, justificando que ela ainda está “em estudo”.
A proposta de regulamento, em fase de elaboração, ficará disponível, a partir do segundo semestre, para participação da sociedade, por meio de consulta pública no site www.aneel.gov.br, para coleta de contribuições e aprimoramento da minuta.