Helio Fernandes
Estive varias vezes em Cuba, como estive em outros lugares. Uma vez, a primeira, com o Sargento Batista presidente, corruptíssimo. Foi deposto, não por algum movimento revolucionário, mas sim por insatisfação dos sócios, empresários que exploravam turismo, e principalmente jogo, os cassinos eram fantásticos.
Voltou ao Poder. Quando visitei o país pela segunda vez, era “marechalíssimo”. Apoiado por grupos internacionais, vorazes e gananciosos, dominava de verdade, dava a impressão de que não sairia mais. Não ligou para Fidel Castro, que descia avassaladoramente para Havana.
No Ano Novo de 1959, Batista fugia covardemente, sem um tiro. E tão apressadamente, que esqueceu (?) no aeroporto, uma pasta com 450 mil dólares, para ele significava muito pouco. Principalmente comparado com o que tinha no exterior. O importante era fugir para onde estava esse dinheiro.
Acabava uma Era, começava outra. No Brasil também. Janio Quadros assumia garantindo que revolucionaria tudo, não deu tempo nem para ele mesmo. Mas a campanha foi interessantíssima, participei da metade dela. Em março de 1960, José Aparecido, o cérebro por trás de Janio, resolveu inovar.
Fidel Castro era atração mundial. Sem provocar medo ou reação assustadora, era elogiado ao mesmo tempo pelo Papa, pela União Soviética e pelo “New York Times”. (Seu editor-chefe, Herbert Matthews, tinha casa de fim de semana em Havana).
Aparecido fretou um avião particular e fomos para Cuba. 30 pessoas, 27 jornalistas. E mais o quase presidente, o deputado Adauto Cardoso, que queria ser ministro da Justiça e não foi. E o tambem deputado Afonso Arinos, que pretendia o Ministério das Relações Exteriores, e conseguiu.
Foram 9 dias admiráveis, inesquecíveis. Eu estava ainda no “Diário de Noticias”, como sempre, mandava artigo e coluna diária. Andávamos na rua, Fidel não tinha segurança. Com ele, jamais faltava, Che Guevara. Ainda não era tão famoso quanto Fidel, mas lembro que escrevi, “quem me impressionou de verdade foi Guevara”. Lógico que Fidel tinha charme e liderança incontestável, mas Guevara era pessoalmente irresistível.
Nos encontrávamos invariável e diariamente na residência do Embaixador do Brasil (mais tarde chanceler) Vasco Leitão da Cunha. Foi na sua casa que aconteceu o roubo da arma de Fidel, muito comentada, jamais esclarecida. Supunha-se (suspeitava-se?) que fosse um dos 27 jornalistas. Mas não houve o menor indício.
Nesses 9 dias, não vi (e lógico não falei) por um minuto que fosse, com o Comandante das Forças Armadas, o silencioso e sempre ausente Raúl Castro. Manteve esse forma discreta durante 40 anos, esperando, saberia o quê? Inicialmente, Raúl, o único comunista da família, teve a intuição e a certeza de que não existia mesmo.
Em 1987 voltei a Cuba para um extraordinário Seminário sobre Dívida Externa, (ainda não havia a degradante Dívida Interna), Raúl não apareceu nem aparecia. Tentei entrevistá-lo, delicadamente as secretárias diziam, “o comandante está com a agenda cada vez mais sobrecarregada”.
Depois, até a doença de Fidel, vários embaixadores do Brasil, nessa condição, (afinal o Brasil mantinha excelentes relações com Cuba) não conseguiram falar com o “comandante”, de modo algum. Isso revelado pelos próprios embaixadores.
Agora, quem manda e desmanda é o irmão Raúl (perdão, o enclausurado Partido Comunista). Fidel está completamente fora de cena, não visita nem é visitado por ninguém. Nem mesmo pelo irmão presidente, agora com todos os Poderes que ninguém imaginava que pretendesse e passasse a exercê-los assim que Fidel ficou doente (e agora doentíssimo, apareceu sem saber a razão).
Isso não tem a menor importância. Quando Fidel se for, os 12 milhoes de cubanos, chorarão inconsolavelmente, é a palavra. Insatisfeitos mais social do que politicamente, lamentando não terem saído da pobreza (e da miséria), mas mostrando que Fidel é e será inesquecível.
Não só em Cuba, e sim no mundo inteiro. Será Primeira de todos os jornais do mundo, escreverão editoriais que julgarão relevantes e imperdiveis. CONTRA ou A FAVOR, ninguém estará julgando Fidel Castro, não se julga a Historia. E Fidel, gostando ou não gostando, é História pura, interpretada das formas mais diferentes. Ditador? Sem nenhuma dúvida, mas que personagem.
Sobre Raúl só se escreverá para contestá-lo ou questioná-lo. Propõe a “escolha” dos homens públicos, por 5 ou 10 anos. Não fala na Presidência, não cita seu nome, mas é lógico, que quando fixa a duração no Poder, “5 ou 10 anos”, não esquece dele mesmo. Como é de praxe dos regimes ditatoriais, ganhou o titulo de Secretário Geral, é quem manda. (Excluído o Partido Comunista, que só não teve força com Fidel, este não aceitava nem permitia).
Quando Nixon, presidente dos EUA, revolucionou a política americana e surpreendeu o mundo indo à China, em 1969, seguiu a hierarquia. Foi recebido pelo Secretario Geral do PC e Primeiro Ministro, Chou Em Lai, mas se arrojou mesmo, aos pés de Mao Tse Tung.
Comemoravam os 20 anos da marcha redentora, ainda não haviam “descoberto” (o mundo ocidental) que Mao era um “Monstro”. É evidente que Cuba não era a China, a China, nada a ver com Cuba. Reflexão pública de Mao: “Peguei a China no Século X e a deixei no Século XX”. É verdade. Fidel teria feito mais, só que com aquele território e a população mínima, era impossível.
Lembrem: Mao Tse Tung morreu quase esquecido. Ninguém esquecerá de Fidel. Mesmo não tendo petróleo ou qualquer riqueza natural. Cuba explorada antes de 1898, quando se libertou da Espanha. E foi dominada pelos EUA.
Digamos que os 10 anos de Raúl, comecem agora. (Como, quando, quem entregará o Poder a ele?) Hoje já passou dos 80 anos, normalmente terá passado dos 90 anos. Sem contar que a sua pregação, “os homens públicos serão eleitos”, só valerá depois dele. Nada mais “natural”.
Pode ser que esgotados esses 10 anos, Raúl queira experimentar (em 2021) o que falou 10 anos antes, e se considere ainda em condições de exercer o Poder até os 100 anos. Ou o que der, se o corpo resistir e ajudar, já que na mente não se pode confiar. Haja o que houver, serão necessários 20 anos para uma possível recuperação.
Fidel tinha momentos de lapsos democráticos, que não conseguia completar. Há 15 ou 20 anos pretendia fazer uma renovação dos dirigentes. Existiam na época 26 estatais, quando ficou doente, eram 32. Estatais pequenas, proporcionais à projeção e importância de Cuba. Cada estatal tinha um presidente e dois ou três diretores, além de funcionários não importantes. Eram mais de 50 jovens, quadros indicados e referendados pelo Partido.
Fidel encontrou resistências, obstáculos, divergências. Vetos não, ninguém tinha coragem. Mas esqueceu (por isso chamei de lapsos), envelheceu, o PC envelheceu, os presidentes das estatais envelheceram, não se fala ou se falou mais nisso.
Agora vem o silencioso, inoportuno, também envelhecido e envilecido Raúl, que tenta “desenvelhecer” o PC. Acreditando que com isso rejuvenesce Cuba e o próprio PC, que não manda mais nada, mas ajuda Raúl a mistificar. Não há saída ou solução. Os que dizem (até mesmo nos EUA) que Cuba se salvará se entrar num regime “democrático-capitalista”, não conhecem Cuba ou o que vem acontecendo há 50 anos.
Principalmente nos últimos 10, Fidel acabava, o PC cada vez mais anacrônico, já “nasceu” sem a menor importância, pelo menos em Cuba.
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PS – Não existe possibilidade de repetição do que Fidel fez a partir de 1957, começando a descida da Sierra Maestra, concretizada com a tomada de Havana em 1959.
PS2 – Não quero defender Fidel, apenas condenar Raúl, mostrando a terrível diferença, um abismo entre eles. Se quiserem o progresso de Cuba e acabar com o retrocesso, não pode ser com Raúl e seus “velhinhos” do PC.
PS3 – Falei em 20 anos para a recuperação, (depois dos 10 de Raúl) talvez seja melhor levar esse números para mais longe.
PS4 – Os que falam que Dona Dilma “pode ajudar Cuba”, estão querendo comprometê-la. Com Fidel, a presidente poderia ir a Cuba enfrentando vetos e discordâncias.
PS5 – Com Raúl, Dona Dilma não pode falar nem pelo telefone. Ele vai ligar (ora se vai), ela não pode nem atender. É a realidade de hoje.
Fonte: Tribuna da Imprensa