Carlos Newton
Como já comentado aqui no blog da Tribuna da Imprensa, as tais agências reguladoras são inúteis, funcionam apenas como cabides de empregos. Vejam o que acontece com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), cuja atuação destrambelhada está dando um prejuízo de US$ 18 bilhões na balança de derivados de petróleo este ano, conforme projeção da RC Consultores, divulgada por Raquel Landim, do “O Estado de S. Paulo”.
Com a disparada do preço do etanol, que subiu mais de 30% nos postos de combustível desde o início do ano, os motoristas migraram em massa para a gasolina, provocando escassez do produto. Por isso, já faltou combustível em alguns postos do interior de São Paulo e a Petrobrás teve que importar gasolina e etanol, às pressas, pagando sobrepreços .
A ANP, dirigida desde o primeiro governo Lula pelo ex-deputado Haroldo Lima (PCdoB-BA), é responsável pelo controle desse estratégico setor. Sua função é acompanhar a evolução desse mercado, para evitar desabastecimento e variação de preços que possam influenciar a inflação. Mas nada faz. Pelo contrário, assiste de camarote à desestabilização desse mercado.
O governo atual (com faziam os anteriores) costuma alardear que o Brasil está à frente do resto do mundo em termos de combustíveis alternativos, tipo etanol, gás natural e biodiesel. Não é bem verdade: os Estados Unidos já faz tempo que passaram à nossa frente na produção de álcool (etanol, metanol etc.). Não é só com álcool de milho. Na Flórida e na Califórnia, não faltam plantações de cana.
O maior usineiro dos EUA é a U.S. Sugar, que fica em Tampa, na Flórida. A companhia é tão grande que tem uma ferrovia com mais de 200 km de extensão. Sua atuação é diversificada e possui uma das maiores indústrias de sucata do mundo, com gigantescas máquinas cortadeiras de aço e outros metais, que reaproveitam os proprios vagões. Organização é isso.
No Brasil, o problema é a imprevisão (leia-se falta de planejamento) da ANP, do Ministério das Minas e Energia, ao qual a agência é subordinada, e da própria Petrobras. Com o aumento da produção e venda de veículos, anunciada todo mês nos jornais, e o crescimento da economia, o País começa a viver um “apagão” de combustíveis, porque não houve investimentos compatíveis na produção de derivados do petróleo e de biocombustíveis. O caso mais grave é o etanol. A escassez atual é resultado da queda da produção, provocada pela entressafra da cana e pela alta do preço do açúcar, mas reflete também um problema estrutural do País.
No caso do petróleo, o que ninguém diz é que o Brasil não é mais autossuficiente. O consumo de derivados (gasolina, diesel e nafta) já ultrapassou a produção local, impulsionando as importações, que ficam cada vez mais caras com o aumento do preço do petróleo lá fora. Em geral, a Petrobrás priorizava a produção de gasolina localmente e concentrava as importações em diesel e nafta. Agora, teve que importar também gasolina.
A situação vai provocar um déficit de US$ 18 bilhões na balança de derivados de petróleo este ano, convém reafirmar. Em 2010, as importações de derivados já ultrapassaram as exportações em US$ 13 bilhões, segundo o Ministério do Desenvolvimento. Em 2000, o rombo era de apenas US$ 3,2 bilhões.
Em 2010, pela primeira vez desde 2000, o País comprou mais derivados do que petróleo bruto. Foram adquiridos 27,38 milhões de metros cúbicos de derivados ante 19,66 milhões de óleo bruto, admite a Agência Nacional de Petróleo (ANP). Isso significa que o Brasil também já não é autossuficiente em refino, embora o Ministério, a ANP e a Petrobras se comportem como se estivéssemos no melhor dos mundos.
As duas refinarias de porte em construção são a Abreu Lima, em Pernambuco, e a Comperj, no Estado do Rio de Janeiro, ambas com as obras atrasadíssimas. Já deveriam estar funcionando desde o ano passado, mas quem se importa? A previsão mais otimista é que comecem a funcionar em 2013. Tem outra pequena refinaria em ampliação, em Guamaré, Rio Grande Norte, mas a capacidade é inexpressiva.
E há projetos de construir mais duas, no Ceará e no Maranhão (certamente, por determinação do ministro maranhense Edison Lobão, protegido e parceiro de José Saney). Mas para que contruir uma refinaria perto da outra, e uma no Maranhão, onde há pouca demanda? Toda a refinaria deve ser construída o mais próximo possível aos centros de consumo, é claro, mas que político se interessaria pelo óbvio?
Deve-se destacar que o governo agiu com acerto ao estimular a produção e venda de automóveis, porque o carro é a galinha dos ovos de ouro do capitalismo. Produz impostos e taxas sem parar, desde a produção do aço, da borracha e das demais matérias-primas, que vão se transformar em peças e equipamentos. São impostos em cascata, os maiores do mundo. No carro, tudo é tributado, bitributado, tritributado, e depois vêm os impostos nos combustíveis, no óleo, no licenciamento, nas peças de reposição, nos pneus, e ainda as multas de trânsito, é um nunca-acabar.
Por isso, uma das principais armas do governo para tirar o País da crise global foi estimular a venda de automóveis com incentivos fiscais. Em 2010, foram licenciados 3,52 milhões de veículos, mais que o dobro dos 1,49 milhão de 2000. A frota atual é de 32,5 milhões de carros, ônibus e caminhões.
Mas o governo (Ministério das Minas e Energia, ANP, Planejamento, Petrobras etc.) fracassou por completo ao não saber dar seguimento ao lance, ao não planejar nada, não prever nada, não se preparar para nada. O crescimento do número de veículos não foi acompanhado pelo aumento na produção de combustíveis. E no ano passado, o País consumiu 117,9 milhões de metros cúbicos de derivados de petróleo, 11% a mais do que produziu. Até então, a oferta se equiparava ou superava a demanda.
Sem planejamento e sem organização, fica muito difícil governar. E sempre cabe a insistente pergunta. Afinal, para que servem as agências reguladoras?
Fonte: Tribuna da Imprensa