Pedro do Coutto
A força da multidão, quando impulsionada por motivos legítimos, tocada pela sagrada ira dos movimentos justos, é tão imensa quanto inexorável. Nada exprime melhor e mais intensamente o poder da opinião pública contra a anarquia, a corrupção, os desmandos, as ditaduras. Quem se der ao trabalho de pesquisar os fatos – contra eles não há argumentos – vai encontrar o povo anônimo, centenas de milhares ou milhões de faces na multidão, como no filme de Kazan, presentes nos mais graves desfechos políticos do tempo. Arriscando a própria vida. Perdendo a vida, pois os arrebatamentos exigem vítimas que ocupam a linha de frente nos acontecimentos e, sem assinar seus nomes, morrem escrevendo ou reescrevendo a história. A renúncia, sexta-feira, do ditador do Egito, Mubarak, é mais um exemplo de uma longa série.
No Brasil, podemos recorrer ao passado recente e encontramos Collor, João Goulart, a volta das eleições diretas, a confirmação da renúncia de Jânio Quadros, este no sentido inverso. Renunciou esperando o povo para reconduzi-lo ao Planalto com poderes absolutos. O povo não o apoiou para criar mais um ditador. A festa acabou, a noite esfriou, o povo sumiu.
Como no verso de Drummond. A multidão, liderada por Leonel Brizola no Rio Grande do Sul, assegurou a posse de João Goulart. Uma outra multidão, porém com a mesma intensidade, criou o clima para sua queda.
Jango, pressionado pelo mesmo Brizola, pelos sindicatos, por Luís Carlos Prestes, foi levado por etapas, através de uma greve a cada 3 dias de 1963, à anarquia, a desapropriações radicais, à ruptura com a hierarquia militar. Foi demais. Caiu. A consequência foram 21 anos de ditadura e violação da vontade popular.
Na Argentina, Guillermo Ruas, um antiperonista, mas apoiado por uma corrente do peronismo, venceu as eleições. Adotou, no entanto, uma política econômica que levou o país à debacle. Domingos Cavallo, ministro da Economia, estabeleceu a paridade impossível entre o peso e o dólar. Tal igualdade não poderia se consolidar, já que as taxas de inflação da Argentina e dos EUA não eram iguais. A multidão emergiu em revolta, véspera de um incêndio em Buenos Aires, em Córdoba, em Santa Fé. Pessoas perderam a vida. Guillermo Ruas renunciou, o vice Cacho Alvarez já havia renunciado antes, isolando-o, o senador Duhalde assumiu a presidência da República como solução temporária.
Em nosso país, Fernando Collor elegeu-se presidente, jovem aos 42 anos, ou perto disso, não tenho certeza, bloqueou as contas de poupança e aplicações financeiras, criou um fantasma chamado Paulo Cesar Farias. As denúncias de corrupção atingiram um nível gigantesco. Collor deslocou o confronto, principalmente com o PT de Lula para as ruas.
Conclamou os que estivessem com ele a se vestirem de verde-amarelo. O PT revidou convidando o povo a se vestir de preto. A multidão renasceu nas ruas do Rio, de São Paulo, Brasília, motivadas extraordinariamente pelo êxito das diretas já, e da campanha de Tancredo Neves que levou Sarney à presidência.
Collor, vitorioso nas urnas de 89, foi batido nas ruas em 92. A Câmara dos Deputados votou sei impeachment por larga margem. A multidão tornou-se mais uma vez vitoriosa. Pode-se acrescentar a posse de JK em 56, assegurada depois da vitória de 55. Não adianta alongar a lista de desfechos. A força decisiva da multidão não pode ser contida. Nem pelas armas.
Agora chegou a vez de Mubarak. Encurralado, desaba entre as pirâmides contempladas agora por 41 séculos de história. Não será o último.