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terça-feira, junho 22, 2010

Thiago Sampaio / AFP Photo / Imagem mostra casas submersas pela cheia do rio Jacuipe em Alagoas Chuva provoca cenário de tsunami no Nordeste

Terça-feira, 22/06/2010

Thiago Sampaio/Agência Alagoas

Thiago Sampaio/Agência Alagoas / Em União dos Palmares (AL), o  nível do Rio Mundaú subiu pelo menos cinco metros e devastou tudo o que  havia nas margens Em União dos Palmares (AL), o nível do Rio Mundaú subiu pelo menos cinco metros e devastou tudo o que havia nas margens
Desastre natural

Cenário de tsunami no Nordeste

Sobe para 38 o número de mortes causadas pelas enchentes em Alagoas e Pernambuco. Bombeiros comparam estragos à tragédia asiática

Publicado em 22/06/2010 | Bruna Maestri Walter e Polliana Milan, com agências

São Paulo, Curitiba e União dos Palmares (AL) - O número de vidas perdidas devido às enchentes em Alagoas e Pernambuco chegou a 38 ontem, mas a contagem de mortos pode subir ainda mais. A Defesa Civil alagoana estima que há 607 desaparecidos no estado – 500 só no mu­­nicípio de União dos Palmares, um dos mais atingidos pelas cheias. Quatro cidades decretaram estado de calamidade pública e 25 estão em situação de emergência. Mais de 115 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas nos dois estados.

Em União dos Palmares e Bran­quinha (a 69 km de Maceió), o cenário é de terra arrasada. Cente­nas de residências, lojas e prédios públicos que ficavam ao longo de uma faixa de 60 km às margens do Rio Mundaú foram destruídos. O nível do rio subiu pelo menos cinco metros e devastou tudo o que havia nas margens. A lama cobriu as ruas e o asfalto soltou-se em placas. Árvores e postes foram arrancados do chão. Bombeiros comparam o estrago nas cidades ao causado pelo tsunami que atingiu parte da Ásia, em 2004.

Thiago Sampaio/Agência Alagoas

Thiago Sampaio/Agência Alagoas / A cidade de Santana do Mundaú  decretou estado de calamidade pública: 500 pessoas estão desabrigadas no  município alagoano Ampliar imagem

A cidade de Santana do Mundaú decretou estado de calamidade pública: 500 pessoas estão desabrigadas no município alagoano

Depoimento: “O estado é desolador”

A situação é triste. O estado é desolador. Tem lugares em que é impossível reconstruir as casas. Muita pedra desceu do rio. Tem uma usina de álcool próxima da cidade e tanques de armazenamento foram arrastados na enxurrada. Um foi encontrado a mais de 60 km de distância, na cidade de Rio Largo, próximo a Maceió. Os tanques estavam vazios e tinham 20 metros de altura por 20 de diâmetro. Sabe o tsunami que se viu na televisão? Está no mesmo estado. Quando o rio baixou, fez poços. Os moradores estão bebendo água embarrada. Muito suja. Eles estão sem água desde sexta feira. A energia elétrica foi estabelecida por volta das 14 horas (de ontem), mas não foi na cidade toda. Creio que nos próximos 20 dias o pessoal vai continuar sem água potável. A ajuda está chegando muito devagar. As rodovias estavam interditadas e foram liberadas no domingo. A primeira frente de serviço era fazer salvamento. Agora a água baixou e o leito voltou ao normal. Quem vê o rio agora não acredita que a destruição veio dele. Não perdi parentes, mas três deles ficaram sem as casas. Perdas materiais que a gente recupera.

Josivaldo Batista Ramos, advogado que nasceu em União dos Palmares (AL)

Alagoas não recebeu verba para prevenção

Alagoas não recebeu nenhum recurso do principal programa do governo federal para prevenção a desastres, do início de 2009 até 18 de junho de 2010. Neste período, R$ 214,3 milhões foram distribuídos através do programa e apenas Alagoas, Amapá e Sergipe não foram beneficiados no país. As informações são da ONG Contas Abertas.

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Desde sexta-feira, várias cidades estão sem água e energia elétrica. “Perdi tudo de uma hora para outra’’, disse o servente de pedreiro Nelito Ribeiro de Sousa, 32 anos. “A água veio rápido, quebrando tudo, derrubando casa por casa.” Sousa morava com a mulher, Mariluce, e dois sobrinhos em um imóvel de dois quartos, em União dos Palmares. “Começou a chover forte de manhã e, de tarde, a água já estava na nossa cintura”, conta. “Saímos de casa sem levar nada e depois só ouvimos aquele barulho da onda destruindo tudo pela frente”, disse ele. “Nunca vi isso.”

Ontem, com o rio em seu nível normal, homens, mulheres e crianças descalços e sujos de barro vagavam de um lado para o outro, carregando sacos nas costas e empurrando carrinhos de mão. Nas pilhas de tijolos, procuram localizar indícios de suas casas para recolher algum objeto que não tivesse sido levado pela água.

Alguns montaram acampamentos nas ruas para evitar saques. Muitos aproveitaram-se da situação para recolher principalmente portões e fios de cobre que encontravam nos destroços.

A ajuda oficial ainda era precária e a maioria dos flagelados carregava com as próprias mãos o que conseguia resgatar, como botijões de gás e eletrodomésticos. Em Branquinha, um caminhão recolhia a lama, enquanto pessoas choravam nas ruas.

A situação também é precária no sul de Pernambuco, principalmente em Palmares (a 129 km de Recife), onde o Rio Una transbordou. A correnteza derrubou duas pontes, provocando a interdição da BR-101. A pensionista Anamara da Silva, 65 anos, relata o caos: “Tá uma fome que só Deus sabe.’’ Ela diz que mesmo quem tem dinheiro não consegue comprar comida. Nos poucos lugares em que ainda há mantimentos, os preços subiram: galões de água mineral, antes vendidos por R$ 3,50, agora custam R$ 20.

Quilombola

A comunidade remanescente quilombola Muquém, situada nas proximidades de União dos Palmares, foi totalmente destruída com a enchente que assola a região. Ela é composta por 120 famílias e todas estão desabrigadas – nenhuma casa ficou em pé. Muquém significa, na língua afro, “terra de resistência”: a comunidade ficava às margens do Rio Mundaú. “Eles chamam o rio de Mundaú da morte, porque ele é naturalmente violento. Mesmo estando dentro do seu leito normal já era perigoso, porque tem correntezas fortes”, diz a historiadora Clara Suassuna Fernandes.

O grupo que vivia na região é reconhecido pela Fundação dos Palmares como uma das 49 comunidades remanescentes do Quilombo dos Palmares. Chegou a se cogitar que cerca de 50 destes moradores teriam morrido, mas o número não é oficial. A comunidade está isolada e sem contato – apenas helicópteros conseguem chegar à região. Os moradores resgatados foram levados para um abrigo. Fazia cerca de 50 anos que os moradores não sofriam com a cheia do rio.

A parte histórica do Quilombo dos Palmares, que fica na Serra da Barriga, em Alagoas, não foi atingida, mas está interditada. Uma ponte que liga o antigo quilombo a União dos Palmares foi levada pelas águas.

Fonte: Gazeta do Povo

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