Numa tática para tentar escapar do impeachment e preservar seus direitos políticos, ex-governador preso aceita a cassação do seu mandato
Não volta mais: numa tática para evitar impeachment e perda de direitos políticos, Arruda desiste de recorrer da cassação do seu mandato |
O governador preso e cassado do Distrito Federal, José Roberto Arruda (sem partido), desistiu nesta segunda-feira (22) de recorrer da decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) da última terça-feira (16), que decretou a perda do mandato por infidelidade partidária. A decisão foi comunicada hoje à tarde por seus advogados à corte eleitoral. Junto à documentação, a defesa entregou uma carta escrita por Arruda endereçada ao tribunal.
No texto, enviado aos seus advogados, Arruda diz que tomou a decisão de não recorrer da perda do mandato por conta da determinação do TRE-DF e por causa do cateterismo a que se submeteu na semana passada. "Confirmando uma doença coronariana que eu não tinha antes de enfrentar essa luta", acrescentou. Como sua defesa reclama desde o começo das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF), Arruda disse que "até agora" não foi ouvido sobre as acusações do esquema de propina envolvendo membros do Executivo e do Legislativo local.
"Não tenho a culpa que querem me imputar. Resisti a um inquérito que já ultrapassa 180 dias. Suportei as pressões, as traições, os flagrantes montados, as farsas, as buscas e apreensões, os vazamentos de documentos para fomentar o escândalo, o abandono do Democratas, a prisão, 180 dias de inquérito, 40 dias de prisão", disse Arruda na carta. Ele, no documento, fez um balanço do seu governo. Citou obras realizadas durante os três anos em que exerceu o mandato, como duplicações de avenidas, viadutos. "Enfim, tudo que fizemos para colocar ordem na cidade e nas contas públicas."
"E concluí que posso ajudar mais Brasília, no seu aniversário de 50 anos, com a minha ausência do que com a minha presença. Divergem-se os conflitos e as paixões. Por isso decidi solicitar a vocês, meus advogados, que não recorram ao TSE, apesar do bom direito que vos assiste. Recorrer seria prolongar o drama", escreveu. Ele, na carta, agradece à sua equipe e até ao presidente Lula, "sem cujo apoio não teríamos feito tudo que fizemos". Além disso, diz esperar que as obras em andamento não sejam interrompidas, "todas já com recursos assegurados e na sua fase final".
Ao citar um trecho da Bíblia, Arruda afirma que a sabedoria é "a capacidade de discernir a verdade por trás das aparências. Quem é capaz disso não se perturba diante dos conflitos". "Pode demorar, mas a verdade se estabelecerá. Tenho fé que serão identificados os interesses que contrariei, as propostas indecorosas que não aceitei, os hábitos que repeli", afirmou. Sem citar o escândalo do painel do Senado, que o forçou a renunciar o mandato em 2001, diz que já viveu altos e baixos, aplausos e vais, vitórias e derrotas. "Serei eternamente grato à grande parte da população que me elegeu e que me apoiou mesmo nos momentos mais difíceis."
Na semana passada, os membros do TRE-DF entenderam, por quatro votos a três, que Arruda não teve justa causa para sair do DEM em dezembro. Eles acolheram a tese defendida pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) de que o governador infrigiu a Resolução 22.610/07, que regulamenta a questão da fidelidade partidária. Ameaçado por um processo de expulsão, o governador preferiu se desfiliar do partido a enfrentar mais um desgaste político.
Processos extintos
Com a desistência de recorrer, a tendência é que os processos políticos contra Arruda sejam extintos na Câmara Legislativa. Os deputados distritais devem definir o que acontece com os processos de impeachment e os pedidos de abertura de ação penal, pedidos pelo STJ, que correm contra Arruda na Casa. Ambos estão dentro do período destinado aos advogados apresentarem a defesa do governador. O deputado Chico Leite (PT), relator de ambos os casos, está reunido neste momento com assessores estudando as medidas do que fazer nos próximos dias.
Preso desde 11 de fevereiro na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, Arruda pode ser transferido para o Complexo Penitenciário da Papuda a qualquer momento. Para isso acontecer, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decretou sua prisão, precisa autorizar a mudança antes de qualquer atitude. De acordo com a assessoria da Polícia Federal, não existe transferência programada até o momento.
Leia a íntegra da carta:
Ao agradecê-los pelo trabalho que tem feito na minha defesa nas diversas frentes, com o apoio de competentes e leais colegas de profissão desejo manifestar, em especial à Dra. Luciana Lossio, que sustentou a nossa defesa no TRE – o meu desejo de não recorrer ao TSE , mesmo consciente do nosso bom direito.
Não tenho a culpa que querem me imputar. Resisti a um inquérito que já ultrapassa 180 dias. Suportei as pressões, as traições, os flagrantes montados, as farsas, as buscas e apreensões, os vazamentos de documentos para fomentar o escândalo, o abandono do Democratas, a prisão, 180 dias de inquérito, 40 dias de prisão.
E até agora eu não fui ouvido uma única vez! Neste final de semana, imobilizado na cama de uma cela, pensei muito sobre tudo isso e, sobretudo, nos dois mais recentes episódios: a decisão do TRE e o cateterismo a que me submeti, confirmando uma doença coronariana que eu não tinha antes de enfrentar essa luta.
Pensei na minha família, nos amigos de verdade, no trabalho que fizemos por Brasília nesses 3 anos, nas 2000 obras, nas 200 escolas de educação integral, nas 1000 novas salas de aula, no novo sistema viário, pistas, duplicações, viadutos, nas 12 cidades mais pobres que há 20 anos esperavam por asfalto, esgoto, escolas, centros de saúde, vilas olímpicas, postos policiais, nos condomínios regularizados, enfim, em tudo que fizemos para colocar ordem na cidade e nas contas públicas. O fim das vans piratas, das invasões, os 2000 ônibus sem nenhum aumento de passagens – 3 anos de governo sem nenhum aumento de passagem – os parques, o Noroeste [bairro], os 65.000 pais de famílias empregados nas obras do governo.
E concluí que posso ajudar mais Brasília, no seu aniversário de 50 anos, com a minha ausência do que com a minha presença. Divergem-se os conflitos e as paixões. Por isso decidi solicitar a vocês, meus advogados, que não recorram ao TSE, apesar do bom direito que vos assiste. Recorrer seria prolongar o drama.
Acatando a decisão do TRE. Responderei os processos como cidadão comum, longe das paixões e dos interesses políticos. Saio da vida pública.
Espero, apenas, que, meus sucessores não deixem que as obras sejam interrompidas, todas já com recursos assegurados e na sua fase final. As obras não são minhas, são da cidade.
Sou grato a toda a minha equipe de governo que, com eficiência e determinação, foi fundamental no cumprimento dos nossos objetivos.
Sou grato, também, a Sua Exa o Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e ao seu governo, sem cujo apoio não teríamos feito tudo que fizemos.
Com a paz que já me assiste neste momento de despedida, lembro que “Há homens livres nas celas e homens presos nas ruas” – O meu corpo-matéria sofre desgastes, mas nunca tive tanta liberdade de espírito.
Leio, em Eclesiastes: “Sabedoria é a capacidade de discernir a verdade por trás das aparências. Quem é capaz disso não se perturba diante dos conflitos”. Pode demorar, mas a verdade se estabelecerá. Tenho fé que serão identificados os interesses que contrariei, as propostas indecorosas que não aceitei, os hábitos que repeli.
A vida é cíclica. Já vivi altos e baixos. Aplausos e vaias. Vitórias e derrotas. Vida que segue.
Serei eternamente grato à grande parte da população que me elegeu e que me apoiou mesmo nos momentos mais difíceis. Peço ainda que transmitam meus agradecimentos ao dr. Alckmin, dr. Gerardo Grossi, dr. Bulhões e dr. Ferrão.
Agradeço também, ao verdadeiros amigos, as correntes de oração e especialmente à Flávia, de cuja coragem, carinho e amor verdadeiro retirei as forças necessárias para superar tantos obstáculos.
Não posso negar que a doença coronariana que me levou ao cateterismo – e agora a cuidados especiais – foi variável importante nesta decisão. Já vivi o bastante para saber que as razões políticas muitas vezes ultrapassam os limites do Direito – e que a humildade de saber parar pode valer mais que a mais triste e destemida insistência.
José Roberto Arruda
Fonte: Congressoemfoco