Em março, convidado para depor na chamada CPI do Grampo, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence – alvo de escuta telefônica clandestina no seu gabinete – foi contundente ao criticar a "facilidade" com que juízes concedem autorização judicial para interceptações telefônicas em investigações criminais, embora a Lei 9.296/96, que regula a matéria, proíba a medida quando "não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal", ou "a prova puder ser feita por outros meios disponíveis". Pertence tachou de "intolerável" a "banalização" das escutas telefônicas legais, que chegaram a mais de 400 mil só no ano passado.
O perito criminal da Universidade de Campinas (Unicamp) Ricardo Molina comentou, em recente entrevista, que o medo do grampo é hoje tão generalizado que as pessoas passaram a falar pelo telefone sobre questões financeiras – às vezes até familiares – em linguagem cifrada. As conversas em código, além de complicarem a vida dos cidadãos, podem também prejudicar a obtenção de provas em interceptações autorizadas de telefonemas entre pessoas contra as quais há fortes indícios da prática de crimes.
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar, na última terça-feira, um caso sobre outro aspecto da grave questão – a legalidade e a razoabilidade dos prazos de permissão para interceptações telefônicas – que o ministro-relator, Nilson Naves, considera emblemático. Para ele, "estamos fazendo opção entre dois tipos de Estado: ou eminentemente de direito ou de orientação policialesca". O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Paulo Gallotti, mas o voto do relator merece destaque especial, por ser um indício de que o STJ deve alterar os precedentes, do próprio tribunal, que ainda permitem prorrogar a interceptação legal tantas vezes quantas forem necessárias, desde que bem fundamentadas.
Trata-se de um recurso em habeas corpus, no qual se discute se é nula a prova derivada de nada mais nada menos do que dois anos de escutas telefônicas feitas em linhas de empresas do Grupo Sundown, do Paraná, que serviram de base para a condenação, nas instâncias inferiores, dos dois empresários que seriam os "cabeças" do grupo, acusados de operações fraudulentas de importação, com graves prejuízos à fiscalização tributária. Ambos estão foragidos e a investigação ocorreu em conseqüência de operações da Polícia Federal e dos trabalhos da CPI do Banestado, que apuraram o envio ilegal de dinheiro para o exterior por meio de contas CC5.
O ministro-relator do processo lembrou, em seu voto, que o artigo 5º da Lei 9.296 dispõe que "a decisão (quebra do sigilo telefônico) será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova".
De acordo com Naves, fica claro que a lei se refere a uma única renovação, e não a renovações em série que podem somar mais de dois anos, como ocorreu no caso em pauta. E é enfático, ao proclamar em seu voto: "Entre a liberdade e a segurança, fico com a liberdade; entre a exceção e a regra, fico com a regra. Minha opção é pelo estado de direito, não pelo estado de orientação policialesca".
O ex-presidente do STJ ressaltou ainda que nem mesmo no estado de defesa – medida excepcional prevista no artigo 136 da Constituição, em que são suspensas várias garantias do cidadão – há previsão de quebra de sigilo por tanto tempo, como ocorreu no recurso em julgamento. No estado de defesa – ao qual, felizmente, não houve necessidade de se recorrer até hoje – a escuta telefônica é permitida por 30 dias, prorrogáveis por igual prazo. O ministro questiona, com propriedade, que na vigência do estado de direito alguém tenha o poder de suspender, por tempo indefinido, a cláusula pétrea constitucional da inviolabilidade das comunicações telefônicas.
Fonte: JB Online
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