Wálter Maierovitch
do UOL
Uma das conquistas do direito criminal moderno foi estabelecer que a pena não passe da pessoa do condenado. Outra conquista humanitária consistiu na proibição de pena perpétua.
Por meio dessa doutrina, pode-se chegar à ressocialização do condenado, pela compunção realizada em adequados “penitenciários” (esse era o termo canônico para o estabelecimento com celas monásticas para a compunção, a volta analítica do interior e o opção regeneradora).
PENA MÁXIMA – A nossa Constituição proíbe a pena de prisão perpétua. A pena tem a finalidade ética de reeducar, ressocializar. O prazo máximo de encarceramento não podia ultrapassar os 30 anos. Mas agora já pode.
Por mudança legislativa sugerida pelo ministro Alexandre de Moraes, o prazo máximo da pena foi elevado para 40 anos. Mais tempo de encarceramento sem, no entanto, nenhuma preocupação com a ressocialização.
E nem com reformas em estabelecimentos prisionais que, como já entendeu o STF, tornaram o sistema penitenciário brasileiro desumano, o que ofende garantias pétreas da Constituição.
SOCIALIZAÇÃO – Sem a prisão perpétua, volto a frisar, a pena, pela Constituição, tem a finalidade ética de emendar. Daí a importância das visitas, das saídas temporárias, da remição (abate) da pena por dias trabalhados ou de leitura de obras adequadas e da remissão (perdão) por institutos indulgentes.
Atenção, de novo. São importantes na ressocialização as visitas ao preso, àquele privado da sua liberdade de locomoção, de familiares, amigos, companheiras e companheiros.
No Brasil, que não investe na ressocialização, o percentual de reincidência (volta ao crime) é superior a 85%.
FAZER DISTINÇÃO – Duas coisas importantes a lembrar, com base na experiência de já ter sido juiz da Vara das Execuções Criminais do estado de São Paulo, corredor dos presídios e da polícia judiciária paulista.
O apenado é o preso, e não o visitante. O visitante não pode ser também presumido criminoso.
No caso de o estado ou a União (caso de presídios federais) não contarem com equipamentos adequados para a revista nos presídios —o velho scanner, igual ao empregado nos aeroportos—, os serviços de inteligência carcerária devem ser aprimorados.
SUSPEITA ABUSIVA – Não se deve partir para a suspeita discriminatória, que já é abusiva por si própria. Muitas vezes, acontecem ações humilhantes, abusivas e criminosas. Por exemplo, verificações em orifícios de vias de regra e anal, por mera suspeita de porte de drogas proibidas.
Já vivemos o tempo de revista íntima realizada por agentes penitenciários do sexo masculino. Passou-se, depois, a agentes mulheres, sem que os abusos e as importunações sexuais terminassem.
Quando Tiradentes foi condenado à morte, houve a imposição da pena acessória do “salgamento” (improdutividade) das terras dos seus familiares por várias gerações.
PENAS DO REI – Na nossa história, tratou-se de caso típico de pena passando da pessoa do infrator, e por várias gerações. Tal previsão contava das Ordenações do Reino de Portugal.
Coube ao humanista e filósofo milanês Marquês de Beccaria, Cesare Bonesana, revolucionar o direito penal. No seu opúsculo intitulado “Dos Delitos e das Penas” (1764), condenou o fato de a pena passar da pessoa do condenado para seus familiares, por diversas gerações. Nasceu, assim, a garantia do princípio da personalização da pena.
Com base no princípio da pessoalidade, e para estancar abusos nas revistas íntimas, vários estados da federação, pelas suas secretarias de Justiça e de Assuntos Penitenciários, suspenderam a revista íntima realizada por agentes, nas quais a humilhação era flagrante.
OBSCURANTISMO – Lógico, tudo sob a grita de obscurantistas que sustentavam que drogas e armas ingressavam nos presídios em face da suspensão das revistas.
Como ressaltou editorial do jornal Folha de S.Paulo, edição de 22 de outubro, 97,7% dos visitantes submetidos às revistas eram do sexo feminino. Quanto aos familiares submetidos às revistas, 70% eram pessoas negras.
Ao examinar ação proposta em 2020, o STF (Supremo Tribunal Federal) já formou maioria, no início de outubro, vetando revista íntima a familiares de custodiados em estabelecimentos prisionais ou assemelhados (celas de polícias). Como a revista é ilegal, o STF, com acerto, concluiu que toda prova coletada, por decorrência, deve ser considerada prova ilícita.
###
P.S. – O julgamento encontra-se pendente no STF. Embora seja tecnicamente possível, a maioria formada não será alterada. O STF está resolvendo esse gravíssimo problema de abuso e desrespeito nas revistas íntimas. E continua a esperar do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a humanização do sistema penitenciário. (W.M.)