A vigilância sobre o governo Lula precisará ser mais inteligente que o choro dos derrotados
Por Felipe Moura Brasil (foto)
Quem assume o lado de uma patota contra a outra vai perdendo a capacidade de distinguir os fatos de cada episódio e as narrativas genéricas sobre múltiplos episódios, usadas para eximir seu lado de responsabilidades e lançar todas elas sobre terceiros.
A propaganda populista do “nós” contra “eles” elimina as nuances do mundo real para radicalizar pessoas em torno do ódio aos alegados inimigos, com a agravante contemporânea de que elas passam a viver em bolhas de redes sociais, repletas de propagandistas da guerra tribal, fazendo fortunas como mercadores do caos.
Os esforços de ativar em mentes fanatizadas algum discernimento esbarram, com frequência, na rejeição ao abandono da sensação de pertencer a uma tribo, na impressão de que qualquer socorro é uma tentativa de cooptação por parte da tribo rival e no pavor da humilhação de admitir que elas vinham sendo manipuladas.
”Nunca odeie seus inimigos, isso atrapalha seu raciocínio”, ensinava Michael Corleone em O Poderoso Chefão III, três décadas antes de grupos bolsonaristas revoltados com a vitória de Lula terem bloqueado estradas, prejudicando apenas compatriotas que não contam com o jatinho particular usado pelo petista para pousar em aeroporto privado de Trancoso, no sul da Bahia, onde foi descansar após a campanha.
Ninguém precisa compactuar com Lula e sua impunidade, para repudiar os expedientes de aloprados que, vestindo as cores da pátria, julgam-se patriotas. Antes da eleição, eles acusaram rádios nordestinas de prejudicar Jair Bolsonaro, até o acusador inicial, Fábio Faria, dizer-se arrependido. Depois, apelaram a uma narrativa seletiva contra o mesmo sistema eletrônico que elegeu parlamentares e governadores aliados do presidente.
O método bolsonarista consiste em seis etapas:
1) Criar factoide para acobertar suas culpas;
2) Cobrar posicionamentos sobre o factoide;
3) Usar factoide para atacar instituições;
4) Posar de vítima das reações institucionais;
5) Defender a liberdade (de criar factoides);
6) Mobilizar massas de manobra na defesa.
Depois, claro, xinga-se quem descreve o método, hostilizando-se a imprensa por não reconhecer sua legitimidade.
Eu, Felipe, até reconheço a criatividade do bolsonarismo em sua briga permanente com a realidade, mas, como a vigilância sobre o governo Lula precisará ser mais inteligente que o choro dos derrotados, adapto aqui a lição de Corleone: nunca odeie populistas; odiar um deles torna você mais suscetível à manipulação e à estupidez do outro.
O Estado de São Paulo