Por Merval Pereira (foto)
Uma a minoria da minoria continua insistindo em tentar melar as eleições. Não há razão para contestar as urnas eletrônicas
A democracia brasileira vive seu mais longo período de existência contínua, de apenas 34 anos, está sob ataque, mas resiste. Para tanto, está sendo preciso utilizar a força da lei no seu limite, para que os que querem feri-la de morte não encontrem ambiente propício a seus avanços. Nesse período eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que inexiste na maioria dos países e era tido como mais uma das jabuticabas de nossa legislação, mostrou-se essencial para o controle dos antidemocratas que, vencidos nas urnas, tentam ainda tumultuar o país depois do jogo jogado.
Tivemos sorte de que tenha caído nas mãos do ministro Alexandre de Morais o rodízio da presidência do TSE no exato período da eleição presidencial. Moraes forçou os limites da legislação eleitoral, mas sem isso a eleição poderia ter descambado para a desordem por meio do incitamento pelas redes sociais dos radicais, que se transformaram em instrumento político da extrema direita não apenas no Brasil, mas no mundo.
Foi preciso ser duro não poucas vezes, foram questionáveis algumas de suas decisões, mas sempre mostraram-se acertadas. Exatamente o que aconteceu no início do combate às fake news e aos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão do então presidente do Supremo, Dias Toffoli, de entregar diretamente a Moraes a coordenação dos inquéritos foi a escolha certa por linhas tortas, erro depois corrigido com a entrada da Procuradoria-Geral da República na investigação.
Esse, aliás, é exemplo claro do que poderia acontecer se o procurador-geral Augusto Aras estivesse desde o início nesse processo de combate às fake news. Do jeito como tem se mostrado leniente em relação ao Palácio do Planalto, as investigações não andariam. Elas revelaram um esquema de financiamentos de atos antidemocráticos que, se não tivessem sido coibidos, poderiam ter ido mais longe, culminando com o bloqueio das rodovias do país contra o resultado da eleição presidencial.
Impressionante como a minoria da minoria continua insistindo em tentar melar as eleições. O nível de fake news distribuída pelos novos meios de comunicação digital é impressionante. Não param de enviar mensagens mentirosas e ainda reclamam quando o TSE manda parar, manda tirar do ar. Não é censura, mas a única maneira de controlar esses irresponsáveis. O mais preocupante é que pessoas qualificadas, educadas, que têm história, como o ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, entrem nessa histeria.
Uma coisa é correta: é possível reclamar das urnas, desde que haja uma razão técnica para tal reclamação. Mas ele coloca dúvidas absurdas, como “não acredito que Bolsonaro possa ter tido zero voto em algumas seções”. Por que não acredita ? Com base em quê? O contrário também aconteceu. Houve 147 seções no Brasil em que ou Lula ou Bolsonaro tiveram 100% dos votos. Por que não reclama disso também? Porque não tem sentido a reclamação.
O prosseguimento, por uma minoria, da tentativa de criar fatos que tumultuem a transição será superado, como foram os bloqueios das estradas, mas é sinal de que temos um tipo de eleitor, um tipo de cidadão, que não convive com a democracia e quer tumultuar o processo eleitoral. Essa é uma situação para a qual temos de ficar atentos, e devemos tentar de todos os meios possíveis, dentro da lei, bloquear esses militantes, porque só fazem mal ao país.
Agora é oposição e situação, e vamos em frente. Democracia é assim mesmo. Não é surpreendente, num ambiente de tensão política alimentada pelo próprio presidente da República, que ainda existam pessoas empenhadas em espalhar boatos para tumultuar. Agora mesmo estão levando a Elon Musk, o novo proprietário do Twitter, reclamações sobre suposta censura no Brasil.
Musk, eleitor do Partido Republicano nos Estados Unidos, quer fazer de seu novo brinquedo um instrumento de ação política. A ação global da direita extremista tem nos novos meios digitais sua maior arma, e é previsível que a nova administração do aplicativo tenha um embate com as autoridades reguladoras no Brasil.
Será preciso que as instituições estejam atentas e fortalecidas para que não se transformem numa arma letal contra a democracia, o que já ocorre até nos Estados Unidos, onde, segundo o presidente Joe Biden, ela já está ameaçada. Especialmente a democracia brasileira, tão recente e já submetida a ataques incessantes nos últimos anos.
O Globo