Quarta, 09 de Novembro de 2022 - 20:00
por Lula Bonfim
A morte da cantora Gal Costa (saiba mais aqui) entristeceu o mundo artístico brasileiro. Reconhecida como uma das maiores cantoras da história do país, a baiana adotou, durante grande parte da carreira, uma postura revolucionária e ousada, que muitas vezes chocou o público.
Gal surgiu no cenário musical brasileiro como uma seguidora de João Gilberto, precursor da bossa nova. Com um canto suave, afinado e sem qualquer vibrato, a baiana lançou em 1967 o álbum “Domingo”, de canções bossanovistas, em parceria com o amigo Caetano Veloso.
Meses depois, tudo mudou. Gal se juntou ao movimento tropicalista – do ponto de vista musical, uma espécie de “anti-bossanova”. Ao apresentar “Divino Maravilhoso” no Festival de MPB da TV Record em 1968, ela chocou o Brasil pela primeira vez. Acompanhada de uma banda com guitarras elétricas, a cantora assumiu uma postura roqueira, com um cantar mais agressivo, “para fora”, muito diverso do cantar suave do ídolo João Gilberto.
A Tropicália foi um marco da música brasileira e enfrentou grande resistência de tradicionalistas. Quando apresentou a música “Baby”, de Caetano, ao cantor Geraldo Vandré, ouviu palavras agressivas do colega, que rejeitava as diversas referências à cultura pop americana contidas na letra.
Entretanto, foi a partir do tropicalismo que Gal ganhou o status de “diva pop nacional”. Ela comandou o programa de TV “Divino Maravilhoso” e, após o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, virou a grande referência da mudança musical que o movimento instalava no Brasil.
A TODO VAPOR
Alguns anos depois, em 1970, Gal Costa voltou a gerar escândalo no Brasil. Na turnê “A Todo Vapor”, a baiana passou a se apresentar vestindo apenas um top sobre os seios. Em um país conservador, ela desafiava o “status quo” ao sentar de saia, com as pernas abertas, com um violão sobre o colo.
Foto: Thereza Eugênia Paes
A sensualidade chocou muita gente, mas também atraiu um público mais jovem, identificado com o “desbunde” brasileiro. Ao mesmo tempo, a voz aguda de Gal mexia com as estruturas do país, que reconhecia naquela cantora uma grande referência musical.
Em 1972, morando no Rio de Janeiro, a baiana passou a frequentar quase diariamente a praia de Ipanema, em uma região que acabou ficando conhecida como “As Dunas de Gal”. O local, antes quase deserto, passou a ser visitado por um público alternativo, que era atraído pelo estilo “hippie” da cantora.
Foto: Reprodução / Redes Sociais
Na época, usando biquínis pequenos, Gal acabou virando uma espécie de “musa” do desbunde e da contracultura tropicalista no Brasil. Por outro lado, a pouca roupa utilizada pela artista provocava comentários maldosos dos mais conservadores.
Foi também num biquíni pequeno que Gal chocou muitos brasileiros com o disco “Índia”. A capa do álbum era uma foto da cantora, com foco na região pubiana dela. Nos anos 1970, a exposição do corpo ainda era um grande tabu para grande parte do país, que reagiu escandalizado.
A imagem enfureceu setores da ditadura militar que governava o Brasil. Na época, a capa do disco, que teve direção musical de Gilberto Gil, chegou a ser censurada por “ferir a moral e os bons costumes”.
Foto: Reprodução / Anomalia Distro
MOSTRA A TUA CARA
Passados mais de 20 anos, em 1994, Gal Costa voltou a provocar um grande escândalo. Durante shows da turnê “O Sorriso do Gato de Alice”, a cantora apresentava uma versão do rock “Brasil”, de Cazuza, vestindo um pijama largo e desabotoado.
Ao gritar o refrão “Brasil, mostra a tua cara”, Gal Costa levantava um dos braços e deixava à mostra seus seios nus. O episódio foi gravado e comentado em todos os grandes jornais do país, gerando indignação em públicos que sonham com um puritanismo nacional.
Antes, no início do show “O Sorriso do Gato de Alice”, Gal, aos 49 anos de idade, já surpreendia ao entrar no palco imitando uma gata.
Com o tempo, Gal Costa foi mudando. Antes aguda, a voz dela se tornou cada vez mais grave com o passar dos anos. E ela sentiu a mudança. Não se adaptou rapidamente, mas também não desistiu.
Em 2011, incentivada e produzida pelo amigo Caetano Veloso, lançou o álbum “Recanto”. Urbano e melancólico, o disco apresentou Gal Costa dentro da música eletrônica, ainda se adaptando à voz mais grave que a vida tinha lhe dado. O público recebeu a novidade com espanto e, no Réveillon de Salvador entre 2012 e 2013, ela chegou a ser vaiada por parte dos presentes.
Gal, porém, não desistiu. Aceitou as mudanças, trabalhou e voltou aos seus melhores tempos, gravando os álbuns “Estratosférica” (2015) e “A Pele do Futuro” (2018), apostando no rock e na disco music, respectivamente. Nesse período, gravou compositores da nova geração, como Marília Mendonça, Marcelo Camelo, Mallu Magalhães e o baiano Teago Oliveira.