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domingo, setembro 04, 2022

Três dos últimos presidentes eram vices, pense nisso antes de escolher candidato

Publicado em 4 de setembro de 2022 por Tribuna da Internet

Charges: Um criadouro de traíras

Charge do Genildo (Arquivo Google)

Luciano Trigo
Gazeta do Povo

Desde a redemocratização, oito presidentes tomaram posse no Brasil: José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro (Tancredo Neves, eleito indiretamente em 1985, morreu antes de assumir).  Três destes oito eram vices que herdaram o cargo: Sarney, Itamar e Temer.

Três em oito é um número assombroso. Por uma conspiração de fatores que não cabe analisar aqui, ser eleito vice-presidente no Brasil é quase colocar um pezinho na presidência. Ainda assim, os eleitores não costumam prestar muita atenção no candidato a vice da chapa em que votam. A História recente e a estatística demonstram que deveriam.

COM PODER ZERO – Embora formalmente, no Brasil, o vice-presidente tenha poucas funções e zero poder – diferentemente, por exemplo, dos Estados Unidos, onde cabem ao vice diversas responsabilidades, inclusive a de presidir o Senado – ele tem sempre chances palpáveis de se tornar um ator importante na tragicomédia da política, sobretudo em momentos de crise. E, por diferentes motivos, pode até amealhar o papel principal da peça.

A chapa Tancredo Neves-José Sarney nasceu de uma crise no PDS (antiga Arena), por sua vez ancestral do PFL e do atual Democratas. Sarney e outros políticos formaram a dissidente Partido da Frente Liberal quando Paulo Maluf venceu a disputa interna do PDS para ser indicado candidato à presidência, na última eleição via Colégio Eleitoral.

TANCREDO-SARNEY – Daí veio o acordo do PFL com o PMDB de Tancredo Neves, que era apontado como o candidato da conciliação. A chapa Tancredo-Sarney foi eleita com folga no Colégio Eleitoral: 480 votos x 180 (e 26 abstenções, aliás quase todas do PT). Mas veio a tragédia, e o destino quis que, após 21 anos de ditadura militar, o primeiro presidente do país redemocratizado fosse… um vice.

O governo de José Sarney foi marcado por crises econômicas e planos fracassados, como o Plano Cruzado, que congelou preços e exortou os brasileiros a se tornarem “fiscais do Sarney”, denunciando comerciantes que não respeitassem as tabelas.

Não tinha como dar certo, é claro – embora a mesma receita continue sendo adotada por governos populistas na América Latina, sempre com resultados desastrosos, como vemos hoje na Argentina.

VICE ITAMAR – A consequência de José Sarney foi a eleição de Fernando Collor – mais uma vez, em uma chapa montada para acomodar interesses discrepantes. Seu vice foi Itamar Franco, um político mineiro que criticava publicamente vários pontos da agenda do presidente, incluindo o programa de privatizações. Denúncias de corrupção e o fracasso do plano Collor levaram ao impeachment do presidente. Sobrou de novo para o vice.

Os eleitores não costumam prestar muita atenção no candidato a vice. A História recente e a estatística demonstram que deveriam

Assumindo o cargo em 1992, Itamar Franco inaugurou a “República do Pão de Queijo” (já que sua equipe era majoritariamente formada por mineiros).

PLANO REAL – Sem vocação para o poder, Itamar se meteu em alguns episódios folclóricos (como aquele no camarote do carnaval carioca) e teve um desempenho modesto, mas merece o crédito de ter bancado o Plano Real, que finalmente deu cabo da inflação então pandêmica no país.

(Uma curiosidade: ainda que por motivos diferentes, na votação do Plano Real no Congresso Nacional, em julho de 1994, tanto o então deputado Jair Bolsonaro quanto os deputados do PT votaram contra.)

Fernando Henrique (cujo vice foi Marco Maciel) e Lula (cujo vice foi José Alencar) concluíram dois mandatos cada um, então fogem do escopo deste artigo. Mas com Dilma Rousseff voltou a aparecer a maldição do vice, com uma peculiaridade: Michel Temer, diferentemente de Sarney e Itamar, tinha apetite e vocação para o poder.

TEMER NO PLANALTO – O desastre econômico, os escândalos, as pedaladas e uma inédita pressão das ruas criaram as condições jurídicas e políticas para o impeachment. Dilma caiu, e Temer assumiu: foi, talvez, o único reserva que entrou em campo feliz e realizado.

No início de seu curto governo, Michel Temer implementou reformas importantes e deu início à recuperação da economia. Mas, quando parecia que o Brasil tinha um encontro marcado com a normalidade, dois episódios quebraram as pernas do presidente: o estranho caso das gravações dos irmãos Joesley e Wesley Batista – que ensejaram uma tentativa coordenada e clara de apeá-lo do poder, na sequência, a greve dos caminhoneiros que paralisou o país.

Resultado dessa sabotagem: o final ruim do governo Temer, após um começo promissor, levou ao acirramento ainda maior da divisão dos brasileiros e, finalmene, à eleição de Bolsonaro em 2018 – que foi, de certa forma, uma consequência do “Primeiramente, fora Temer”.

VEIO BOLSONARO – O ressentimento é um mau conselheiro: os inconformados com Temer acabaram contribuindo para a eleição de Bolsonaro (e, em vez de amadurecer, trocaram o “Fora Temer” pelo “Ninguém solta a mão de ninguém”).

Causas sempre têm consequências, e as consequências costumam vir depois. Sarney, Itamar e Temer foram consequências inesperadas – mas não imprevisíveis, já que estavam contempladas no nosso sistema – das chapas montadas para a eleição.

No Brasil, deveria entrar sempre no cálculo do eleitor a possibilidade de o vice assumir o cargo, para evitar frustrações futuras. Quais seriam as consequências de uma eventual quarta ascensão ao poder do reserva da chapa? Todos estariam de acordo em respeitar as regras do jogo, por maior que fosse a frustração? Teríamos uma transição pacífica ou um novo ciclo de instabilidade? Os eleitores estão pensando nisso? Deveriam.

 

 

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