Por Marcus André Melo
“Nunca antes o Supremo Tribunal brasileiro pôde exercer sua missão específica de árbitro da legalidade, contendo os excessos do Executivo”, notou Afonso Arinos em 1958. O diagnóstico é preciso: “Desde o princípio, o STF fracassou na sua missão. Fracassou com Floriano, com Hermes, com Vargas. A instituição em seu conjunto naufragou historicamente, na fraqueza, na omissão e no conformismo”.
Nos anos que se seguiram o quadro só piorou. Na última década, o STF tornou-se hiperprotagonista do jogo político. Não se trata de algo trivial, mas da maior transformação em nosso sistema político pós 88. Terá também fracassado com Lula, Temer e Bolsonaro? Não, hiperprotagonismo não significa sucesso. O juízo mais acertado é falar de muitos resultados positivos com grandes retrocessos.
HIPERPOLITIZAÇÃO – São três as principais razões para o hiperprotagonismo. A primeira é a hiperpolitização do STF, produto da combinação de desenho institucional e da própria magnitude do que entrou na sua agenda.
Ela é produto de sua insólita atuação como corte criminal e de tribunal recursal em um contexto de mega escândalos de corrupção e que levaram centenas de agentes políticos, inclusive presidentes e chefes de poderes legislativos, aos bancos dos réus e à prisão.
Como consequência, a corte atraiu ataques políticos que se intensificaram do julgamento do mensalão ao do petrolão, enfraquecendo-a junto à opinião pública.
IMAGEM DESGASTADA – Como mostrou a cientista política Gretchen Helmke, em análise de 472 ataques às cortes na região, um dos seus determinantes principais é seu desgaste junto à opinião pública.
A segunda razão foi o impeachment presidencial e o imbróglio Temer. O efeito foi similar ao anterior. E a terceira razão é a emergência de um presidente iliberal, francamente hostil à ordem constitucional, inaugurando nova era de confronto aberto.
Alimentando-se do conflito e da instabilidade, o presidente cria ou atiça os incêndios institucionais. Assim, os ataques mudam de registro partidário, o que universaliza as hostilidades contra a corte. O STF escolheu que batalha travar —a Lava Jato ou a nova ameaça— e optou pela última. Abriu-se assim uma caixa de pandora.
REALIMENTAÇÃO – Há agora fato novo crucial: a arbitragem constitucional mudou de chave. Não se trata de conter os excessos do Executivo ou de conflitos interpoderes envolvendo o Legislativo, mas de responder os ataques à própria corte, o que é inédito.
O STF está ele próprio sob ataque, o que deflagra respostas hiperbólicas num crescendo. Isso não é trivial porque as cortes constitucionais falam por último nas democracias.
E terão que, por construção, julgar os ataques de que são vítimas. O que contribui para alimentar o vórtice institucional.
Folha de São Paulo / Tribuna da Internet