Por Merval Pereira (foto)
Foi-se o tempo em que a vitória do ex-presidente Lula nas eleições de outubro era dada como certa, e provavelmente no primeiro turno. Pesquisas recentes, feitas por diversos métodos e institutos, alertam para uma tendência de crescimento do presidente Bolsonaro, que em algumas delas já se aproxima de um empate técnico que os bolsonaristas acreditam que em julho estará superado a seu favor.
Erros na campanha petistas já estão sendo detectados, como a mudança do marqueteiro, e o isolamento dentro do partido de Franklin Martins, que não se sabe se continuará na coordenação da comunicação. Mas não é só isso. Existem queixas sobre a abordagem do PT nas coligações partidárias, tanto que a federação de esquerda não é integrada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), apesar da indicação de Geraldo Alckmim para vice na chapa petista.
Também o partido Rede Sustentabilidade, que decidiu oficialmente apoiar a candidatura de Lula, não teve a adesão do grupo de sua principal líder, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Não que Marina não admita apoiar Lula, muito menos que, como Lula alega, tenha mágoa com o PT, mas seu grupo acha que não se deve dar apoio incondicional a ninguém antes que um programa específico seja negociado. Não deixaram de notar, por exemplo, que a palavra “sustentabilidade” não foi usada por Lula em nenhum momento de seu discurso na solenidade de oficialização do apoio.
Existe a questão mais ampla, de princípios, e a pontual, de visões e projetos. Nessa visão, os candidatos têm que dizer com que estão se comprometendo, afirmar que será um novo acordo político, sem resquícios do que temos hoje com o Centrão, que não seja uma coalizão em cima dos interesses dos grupos que assaltam o país, agora institucionalizado pelo orçamento secreto. Também seria preciso que a maneira de fazer campanha não apele mais para ataques pessoais, como Marina se queixa de ter sido feito em 2014. Não por questões pessoais, mas de visão do que seja política. Não vale tudo para se manter no poder.
Marina chama essa nova maneira de ver as coisas de “presidencialismo de proposição”. Nas questões específicas, os especialistas alertam que a competência ambiental do Brasil em termos de ideias, propostas, capacidade técnica, não está dentro dos partidos políticos, e por isso o meio-ambiente, que é a questão central no mundo, foi o tema da eleição do democrata Joe Biden nos Estados Unidos, e da reeleição do centrista Macron, na França, não está posta até agora nas campanhas presidenciais aqui no Brasil.
Nossa força ambiental difusa está à disposição de quem quiser realmente tratar do assunto de maneira técnica: na academia, nas empresas sustentáveis, nos movimentos sociais, nos movimentos indígenas. No próprio poder público, que resiste em órgãos como o Ibama, o Inpe, a Anvisa, e muitos outros. Pegar essa competência que está difusa na sociedade e transformar em políticas públicas através do diálogo, muitas vezes até mesmo com idéias divergentes, seria o papel dos líderes. Seria preciso que a visão de um novo ciclo de desenvolvimento sustentável fosse negociado com Lula e o PT para que a união entre Rede e PT fosse, mais que uma jogada política, uma visão de como seria o país no futuro.
Quando Marina era ministra do Meio Ambiente, no governo Lula, por exemplo, houve o caso da hidrelétrica de Belo Monte, que ela não licenciou, apenas encaminhou para estudos. Quando saiu, Belo Monte foi licenciada, e hoje é um grande trauma ecológico no país. No governo Dilma, tentaram algo semelhante, mas com impacto incomparavelmente maior, no caso do Complexo do Tapajós. A questão da Amazônia, um tema de dimensões internacionais, seria preciso, na visão de ambientalistas, ser enfrentada com um conjunto de ações estruturantes, não apenas medidas de comando e controle.
Aquela realidade do passado, em que foi possível enfrentar bandidos madeireiros, hoje está atravessada pelo crime organizado, que vem se expandindo na região devido à falta de fiscalização e leniência das autoridades federais. A infraestrutura para um desenvolvimento sustentável não admite hidrelétrica no Rio Tapajós, por exemplo, ou fazer rodovias de qualquer jeito, ou continuar assinando medida provisória para regularizar áreas griladas a cada quatro anos. As mudanças climáticas já estão acontecendo agora, em São Paulo, Rio de Janeiro, em todos os estados, demonstrando que o país está mais vulnerável, alertam.
O que se vê, no entanto, nas campanhas, é um bater de cabeças diante da situação terrível que está imposta, com Bolsonaro crescendo, ainda mais que ele agora resolveu escancarar a postura antidemocrática utilizando os militares. Não apenas na campanha do PT, mas também entre os partidos da terceira via. Uma parte dos problemas que estamos vivendo é fruto de erros cometidos pelo campo da social-democracia, que passou anos se dividindo entre petistas e tucanos, e permitiu o surgimento da extrema-direita que estava hibernando. Uma coalizão a favor da democracia só seria viável se erros como reeleição, mensalão, petrolão fossem reconhecidos, e o legado dos acertos de ambos os lados fosse usado na construção de uma nova forma de coalizão. Talvez a necessidade promova essa mudança.
O Globo