Amplas incertezas econômicas, agravadas pela produtiva usina de crises do Palácio do Planalto, afastam investidores dos leilões de infraestrutura
Inflação em patamares que não eram vistos há décadas, taxa básica de juros nas alturas, desemprego elevado e crescimento pífio afetam o dia a dia da população, mas também os negócios. A combinação entre um governo populista como o de Jair Bolsonaro, o desarranjo causado pela pandemia de covid-19 nas cadeias produtivas mundiais, a insistência da China em adotar quarentenas draconianas e a guerra entre Rússia e Ucrânia são a representação de uma tempestade perfeita. Em tempos conturbados, o investidor prudente prefere aguardar a passagem da crise antes de tomar uma decisão, algo que costuma ter efeitos nefastos para países emergentes como o Brasil.
As consequências mais claras dessa instabilidade têm sido vistas nos leilões de infraestrutura cancelados nas últimas semanas e foram coroadas com a postergação da licitação do Rodoanel Norte pelo governo de São Paulo. Com 44 quilômetros de extensão e previsão de conclusão em agosto de 2025, cortando os municípios de São Paulo, Arujá e Guarulhos, o projeto exigiria investimentos de R$ 4,1 bilhões em obras e despesas de operação e manutenção ao longo de 31 anos de concessão. A Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) justificou o adiamento ao mencionar as incertezas do cenário macroeconômico interno e externo e a alta de preços de insumos.
Quando nem mesmo um projeto que tem demanda certa na maior cidade brasileira consegue atrair interessados, não se pode esperar nada diferente de outras localidades. A disputa pelo Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte foi adiada para julho. A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais disse que a extensão do prazo visa a garantir a ampla concorrência e dar tempo para empresas estrangeiras providenciarem a documentação exigida pelo edital. A licitação da BR 381-262, que liga Belo Horizonte e Governador Valadares a Vitória, foi adiada por três vezes antes de ser finalmente suspensa em fevereiro, quando a União admitiu a necessidade de fazer ajustes no edital para atrair os potenciais interessados. Por ajuste, leia-se elevar as taxas de retorno dos empreendimentos.
O problema não atinge apenas as novas concessões. O avanço do preço dos insumos da construção civil tem levado entidades empresariais a encomendarem estudos que ensejem futuros pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro por parte das operadoras – e, consequentemente, tarifas de pedágio e serviços de transporte de carga mais caros. Enquanto os reajustes costumam ter o IPCA como referência, a disparada de itens básicos para rodovias e ferrovias, como diesel, cimento, aço e asfalto, gerou um descasamento entre receitas e despesas e pode colocar em xeque a sustentabilidade dos projetos já leiloados. A secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa, rejeitou uma solução única para todos e disse ao Estadão/Broadcast que é preciso analisar as situações caso a caso.
Às incertezas econômicas somam-se as políticas. Enquanto as licitações patinam, o tempo corrói a qualidade da deficiente infraestrutura nacional e a lista de obras paradas só aumenta, o presidente Jair Bolsonaro faz campanha antecipada, participa de atos antidemocráticos e questiona a confiabilidade do processo eleitoral. Com o menor nível de investimento público da história, o governo reservou apenas R$ 42,3 bilhões para todos os ministérios e privilegiou a área militar e as emendas de relator do Centrão. Em uma peça orçamentária engessada por 95% de despesas obrigatórias, é arrogância achar que o investimento público algum dia vai superar o privado. Mas a premissa que garante o apetite desse setor, além de um marco regulatório e jurídico adequado, é um ambiente macroeconômico saudável e estável, com controle da inflação, equilíbrio fiscal e juros civilizados, o contrário do que o Brasil tem apresentado. Sem capacidade econômica e financeira para resolver gargalos históricos do País, o governo faria muito se, ao menos, não atrapalhasse.
O Estado de São Paulo