Por Míriam Leitão (foto)
A crise da democracia brasileira piorou muito nos últimos dias. O presidente Bolsonaro escalou o conflito institucional ainda mais. Fez chacota com o Supremo dentro do Planalto, exigiu que as Forças Armadas façam apuração eleitoral paralela, disse que as eleições podem ser suspensas. Nada foi de impulso. Tudo foi de caso pensado. O que está sendo plantado por Bolsonaro é a tentativa de impugnar a eleição, caso o resultado não seja satisfatório a ele.
O diálogo entre o general de divisão Heber Garcia Portella e o TSE, nas trocas de mensagens, é uma clara demonstração de que Bolsonaro conseguiu costurar o respaldo de lideranças das Forças Armadas para alimentar a suspeição sobre a eleição. Uma das dúvidas levantadas pelo militar, indicado pelo Ministério da Defesa para Comissão de Transparência das Eleições, foi sobre o que aconteceria se houvesse perda de voto por mídia eletrônica. O TSE respondeu que trabalha com duas mídias, mas, mesmo com essa redundância, se houver falha, é possível recuperar os dados. Mas o general insistiu, querendo saber o que aconteceria no caso de os votos descartados, por falha, serem em número suficiente para alterar o resultado. A resposta do TSE foi que nessa “remota hipótese” ficaria valendo o que está disposto nos artigos 187 e 201 do Código Eleitoral. O artigo 201 fala que, em caso de os votos anulados serem o suficiente para alterar o resultado, serão realizadas novas eleições. “Esse é o ovo da serpente, ele está plantando a impugnação das eleições”, me informou um jurista que ocupou altos cargos públicos.
A quilométrica lista de dúvidas do general de divisão fala por si. Ele foi escolhido pelo então ministro da Defesa que hoje é o possível candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro. Na tréplica ao TSE, o general de divisão Heber Portella disse que “não foi possível visualizar medidas a serem tomadas em caso de constatação de irregularidade nas eleições”. Quem lê todo o diálogo se dá conta de que ele não quer ser convencido, prefere procurar uma suposta falha. Isso mostra exatamente o que o ministro Luís Roberto Barroso afirmou: as Forças Armadas estão sendo orientadas a alimentar a dúvida sobre as eleições deste ano. Isso não é “grave ofensa” aos militares, é a constatação dos fatos.
O presidente Bolsonaro afrontou, em uma semana, dois incisos do artigo 85 da Constituição, o que regula o impeachment. É crime de responsabilidade impedir o funcionamento do Poder Judiciário, e ele tem tentado. É crime de responsabilidade atentar contra “os direitos políticos”, e ele fez isso quando ameaçou a realização de eleições.
Bolsonaro disse na quarta-feira — e repetiu na quinta — que as Forças Armadas farão uma apuração paralela das eleições. Em 11 de fevereiro, Bolsonaro disse que o Exército tinha identificado “dezenas de vulnerabilidades no processo eleitoral”. No ano passado, as Forças Armadas aceitaram o triste papel de desfilar na Praça dos Três Poderes seus blindados para uma encenação intimidatória ao Congresso, no dia da votação da emenda do voto impresso, felizmente derrotada. No dia 7 de setembro, naquela manifestação golpista convocada pelo presidente, o então ministro da Defesa Walter Braga Netto sobrevoou a manifestação ao lado do presidente. O cargo de ministro da Defesa é político, ele não comanda tropas, mas Braga Netto sempre se escorou nos comandantes para passar mensagens ambíguas. Ele estava com objetivos eleitorais, mas o problema foi as Forças Armadas se deixarem usar nas manobras que o presidente tem feito para intimidar o país.
A Câmara na semana passada fez o papel de fortalecer Bolsonaro no meio deste conflito com o STF. O deputado condenado, e indultado, Daniel Silveira foi empoderado pela Casa. Apesar de sempre ter sido um parlamentar ausente, sem qualquer relevância, virou membro titular da CCJ e vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Crime Organizado.
Toda essa desordem institucional comandada por Jair Bolsonaro ocorre quando o país vive uma escalada inflacionária, a economia está estagnada, o desemprego é altíssimo e aumenta a fome e a miséria. Garimpeiros e desmatadores aceleram a destruição do meio ambiente, e povos indígenas são aterrorizados e mortos por bandidos insuflados pelo governo federal. Esses são os verdadeiros problemas do país, e não o Tribunal Superior Eleitoral.
O Globo