Bolsonaro corre a oferecer bondades à população, mas perde foco dos mais pobres
Um surto de generosidade abateu-se sobre o Palácio do Planalto. O fato de o Brasil estar a menos de sete meses das eleições presidenciais e de o chefe do governo, candidato à recondução, aparecer em desvantagem nas pesquisas de intenção de voto não é coincidência.
Como resultado da bonomia repentina, anunciou-se nesta quinta (17) um "pacote" dimensionado pelo próprio governo em R$ 150 bilhões. Misturam-se, para atingir a cifra, ações de crédito, de antecipação de pagamentos e possibilidade de trabalhadores sacarem recursos de sua poupança compulsória.
Beneficiários do INSS e programas sociais como o Auxílio Brasil, sucedâneo do Bolsa Família, poderão comprometer até 40% —contra um limite anterior de 35%— de seus estipêndios mensais com o pagamento de parcelas de empréstimos consignados.
O 13° salário de aposentados e pensionistas do INSS, que habitualmente é pago no final do ano, será antecipado para abril e maio, o que acelerará a entrada em circulação de um volume de R$ 56,7 bilhões.
Trabalhadores que detêm saldo no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, poupança acessível em poucas situações, poderão excepcionalmente sacar até R$ 1.000. A expectativa do governo é liberar até R$ 40 bilhões com essa medida.
Além de mostrar certo desespero do presidente Jair Bolsonaro (PL) com as suas perspectivas eleitorais em outubro, o recurso cada vez mais frequente aos chamados pacotes de bondades reflete também os novos choques econômicos propiciados pela invasão militar da Ucrânia pela Rússia.
O crivo para justificar medidas mitigatórias emergenciais nesse contexto deveria levar em conta pelo menos dois aspectos fundamentais. Essas ações beneficiam as populações mais vulneráveis? São proporcionais aos danos e pontuais o suficiente para não deixarem sequelas que atravanquem o desenvolvimento do país?
O elenco de iniciativas anunciado nesta quinta passa relativamente bem pelo segundo quesito. Trata-se de antecipações de saques e pagamentos —que seriam de todo modo realizados em algum momento— e de facilitações pouco extravagantes de acesso ao crédito.
Quanto à eficácia social, as medidas atingem sobretudo segmentos relativamente mais protegidos: trabalhadores formais e segurados do INSS. É uma opção melhor, sem dúvida, do que a ideia cada vez mais fortalecida no Planalto de ampliar subsídios à gasolina, o que seria um presente para os mais ricos.
Mesmo em sua corrida sequiosa por votos para a reeleição, o presidente Jair Bolsonaro perde o foco da metade mais pobre da população, desproporcionalmente afetada pela carestia e o desemprego.
Folha de São Paulo