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segunda-feira, março 07, 2022

Como fica o mundo depois da agressão russa à Ucrânia - Editorial




Em seu pronunciamento ao Congresso na última semana, o americano Joe Biden afirmou que o russo Vladimir Putin “está agora mais isolado do mundo do que nunca”. É sem precedentes o isolamento a que o Ocidente submeteu a Rússia como resultado da agressão à Ucrânia. As sanções foram muito além do esperado.

O bloqueio às transações do banco central russo e a suspensão de outros bancos do sistema de comunicação Swift garrotearam a economia russa. O rublo derreteu a ponto de o Sberbank, maior banco do país, ter de encerrar operações na Europa, pois suas ações viraram pó. A Apple parou de vender iPhones na Rússia. YouTube e Facebook restringiram canais oficiais russos em suas plataformas. Empresas como Ford, BMW, Volkswagen, Boeing, Dell, Ericsson, Nike, Exxon, Shell, BP, Disney e Warner Brothers decidiram suspender ou reduzir negócios na Rússia.

A reação se estendeu para além da economia. O maestro Valery Gergiev, conhecido pela proximidade de Putin, foi demitido da Filarmônica de Munique. A soprano Anna Netrebko e balés russos tiveram de suspender apresentações programadas na Europa. A delegação russa foi banida do festival de cinema de Cannes. A seleção nacional e os times russos foram suspensos da Copa do Mundo e da Eurocopa. O lançamento de satélites ocidentais por foguetes da Rússia foi cancelado, e surgiu dúvida até sobre o futuro envolvimento russo na Estação Espacial Internacional.

O desejo de deter Putin — medido pelas votações avassaladoras contra a Rússia nas Nações Unidas — levou os países europeus a um consenso inédito. Mesmo a neutra Suíça aderiu às sanções. E até a Suécia, que nem integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), decidiu enviar armas à Ucrânia.

O terremoto geopolítico transcende Rússia e Europa. Aprofunda-se uma divisão entre Ocidente e Oriente que se considerava enterrada com o fim da Guerra Fria. Essa ruptura trará consequências profundas e duradouras. A globalização — motor que permitiu integração comercial, geração de riqueza e redução da miséria em níveis jamais vistos — tende a recuar, à medida que a noção de um mundo unipolar, cujas regras incentivam a produtividade e o crescimento, cede lugar à realidade multipolar, em que segurança vale mais que eficiência.

A eclosão da guerra na Ucrânia expôs o principal limite da globalização: a integração comercial não foi acompanhada de um arcabouço institucional com força para disciplinar países que tentem usar seu domínio de mercados específicos para estender seu poderio geopolítico. Gargalos comerciais acabam por concentrar poder desproporcional em atores militarmente equipados, mas economicamente menos expressivos. É o caso da Rússia, uma potência nuclear que usou o fornecimento de energia e de grãos como alavancas para avançar sobre o território ucraniano.

A invasão da Ucrânia serviu de alerta. Os europeus puseram no topo da agenda a transição dos combustíveis fósseis às fontes alternativas de energia, na tentativa de reduzir a dependência do gás russo. No âmbito militar, a Alemanha passou a considerar a Otan insuficiente para sua defesa. Destinou € 100 bilhões ao setor bélico e decidiu ampliar esse investimento a 2% do PIB no futuro. Ante a ameaça russa, a política de defesa comum da União Europeia deixou de ser tabu — um despertar comparado ao 11 de Setembro para a Europa.

Do outro lado do Atlântico, a reação dos Estados Unidos à agressão russa mascara a preocupação de fundo com a ascensão da China. O recado da Rússia a europeus e americanos é semelhante: é preciso reduzir a dependência de parceiros pouco confiáveis. É incerto se seria viável separar economias imbricadas como a americana e a chinesa, mesmo assim é evidente a tentativa, apelidada de “desacoplamento”. Começou pela guerra comercial de Donald Trump e deverá, nos próximos meses, assumir a forma de processos judiciais nos Estados Unidos contra subsídios a empresas chinesas, em particular nos setores de alta tecnologia.

Gradualmente, os países se fecham. Nos mercados de matérias-primas, é palpável a preocupação com produtos controlados pela China, como as terras raras, metais usados em turbinas, baterias de carros elétricos e outros produtos. Ou pela Rússia, que, além de relevante nos mercados de petróleo, energia, grãos e fertilizantes, tem papel crítico na produção de alumínio, platina, cobre, níquel e paládio.

Desfazer a imensa teia de interdependência que forma as cadeias globais de suprimentos é um desafio virtualmente impraticável. O caso mais eloquente é a indústria de semicondutores. O neônio purificado na Ucrânia pode ser usado na fabricação de chips em Taiwan, reunidos em placas na Indonésia, depois usadas na China para montar, de acordo com um projeto desenvolvido na Califórnia, celulares vendidos no Brasil. É inverossímil que a tecnologia digital, hoje maior combustível de crescimento econômico no planeta, tivesse atingido tamanho grau de sofisticação e desenvolvimento sem essa produção distribuída.

No curto prazo, é mais que sensata a preocupação com os efeitos da guerra no fornecimento de alimentos — Rússia e Ucrânia respondem juntas por quase um terço do comércio mundial de trigo —, no agravamento da fome e da inflação global. No longo prazo, nas palavras de Martin Wolf no Financial Times, “os efeitos econômicos seguirão a geopolítica”. “Se o resultado for uma divisão profunda e prolongada entre o Ocidente e um bloco centrado na China e na Rússia, decorrerão divisões econômicas”, diz ele. “Todos tentariam reduzir sua dependência de parceiros belicosos e pouco confiáveis. A política vence a economia num mundo assim.”

Não há dúvida de que tal mundo representaria um retrocesso. Não apenas por motivos econômicos. Seria também menos seguro, com o risco de novas guerras, invasões — que fará a China em relação a Taiwan? — e proliferação nuclear. É verdade que o ataque russo à Ucrânia expôs os limites da globalização. Mas seria ilusão acreditar que os dilemas de um mundo onde o crescimento está intrinsecamente atrelado à inovação e à tecnologia serão resolvidos com uma mentalidade isolacionista ou mesmo com o “realismo” dos tempos da Paz de Vestfália ou do Congresso de Viena. Será preciso criar alternativa viável.

O Globo

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