Pedro do Coutto
O depoimento, ontem, da funcionária Regina Célia, encarregada do parecer a respeito da aquisição da vacina Covaxin, foi marcado por uma confusão sobre as datas envolvendo a proposta tanto no valor de compra quanto no valor de venda. A exposição que se alongou por várias horas, mostrou claramente um imbróglio absoluto no Ministério da Saúde, tendo a interferência de um grupo de atores, deixando também no ar a hipótese da existência de uma proposta de comissão para titulares de cargos comissionados.
As datas das propostas e dos pareceres chocam-se entre si e demonstram um impulso turbinado por interesses que culminaram com um valor muito acima dos preços médios de todos os demais produtores da vacina anti-Covid, numa dança em que a empresa indiana passava a ocupar o primeiro lugar na preferência de aquisição.
CONTRADIÇÕES – A confusão tornou ainda mais vulnerável a imagem do governo Bolsonaro, dando a certeza de que, de fato, o presidente da República não tinha conhecimento de nada e se encontrava numa desorientação que se tornou característica dos seus atos. Aliás, as contradições atingem também o texto constitucional no capítulo em que trata dos casos de impeachment.
Contradição levantada também ontem na Folha de São Paulo, pelo colunista Hélio Schwartsman, o artigo 86 da Carta Magna, parágrafo 4º, determina uma condição e outro parágrafo assinala o contrário, ou seja, a impossibilidade ao que se refere à votação necessária para que o chefe do Executivo possa responder ao processo relativo à omissão ou à intenção. Não é só a Constituição que incorpora contradições. Muitas leis brasileiras também, sobretudo porque quando uma medida legal substitui uma outra, no artigo final surge permanentemente a expressão “revogam-se as disposições em contrário”.
ESCAPISMO – Há muitos anos, em 1963, numa entrevista a mim concedida no Correio da Manhã, o professor Miguel de Ulhoa Cintra chamou a atenção para o desfiladeiro que a expressão clássica pode ocultar. Isso porque o texto impõe, por si próprio, uma análise de quais são as disposições em contrário. O legislador interessado, e são tantos, em determinada redação, encontra uma estrada de escapismo. Por isso, digo eu, a legislação brasileira apresenta lacunas sobre lacunas.
Tem-se a impressão de que a necessidade é não somente da vacinação contra a Covid-19, como também de uma vacinação para o próprio Brasil voltada para imunizar as negociações a preços flagrantemente absurdos e comprometedores. Uma outra vacina deve ser aplicada, como citou Cristina Serra, Folha de São Paulo, contra o autoritarismo de Bolsonaro e o apelo a um golpe voltado para torpedear tanto o STF quanto o Congresso Nacional.
GASOLINA, DIESEL E GÁS – A Direção da Petrobras ocupada pelo general Joaquim Silva e Luna estabeleceu um aumento bastante sensível para a gasolina, o óleo diesel e o gás de botijão. No governo Bolsonaro, o preço do gás de cozinha subiu 66%, a gasolina subiu 48% e o óleo diesel subiu 45%. Problema, portanto, para o IBGE e para a Fundação Getúlio Vargas que terão que levar em conta tanto esses preços quanto o reflexo deles no custo de vida e na inflação do país.
Inclusive porque o repasse final das majorações recairá como sempre na cabeça de todos nós, consumidores. Na Petrobras, reportagem de Bruno Rosa, no O Globo, e Nicola Pamplona, Folha de São Paulo, o general Silva e Luna manteve a mesma política colocada em prática por Roberto Castello Branco, que por este motivo foi exonerado por interferência direta de Jair Bolsonaro.
A política, portanto, não mudou e continua se baseando nos preços internacionais do petróleo, na oscilação do dólar e no mercado internacional. Mas, assinalo, o que os consumidores brasileiros têm com o preço do petróleo no mercado brasileiro, com as oscilações flutuantes da taxa de câmbio ou com o câmbio internacional?
INFLUÊNCIA – O Brasil produz, refina e consome dois milhões de barris de petróleo por dia. A influência do dólar só se aplica nas exportações brasileiras de petróleo bruto e nas importações por produtos refinados em parques que o nosso país não possui. Mas esta diferença não é grande. Afinal de contas, citar o dólar por quê?
Ele tanto reflete as importações brasileiras quanto as exportações feitas pelo país. Não há justificativa para a dolarização da Petrobras, a menos que se considere a receita da Petrobras e o seu desempenho em relação aos acionistas. Mesmo assim, a Petrobras teria que levar em conta o aspecto social do nosso país.
BOLSONARO, UM DEMOLIDOR – Em um artigo muito bom, no O Globo de ontem, Merval Pereira focaliza e ilumina um aspecto que impulsiona os movimentos do presidente Jair Bolsonaro. São sempre no sentido de demolir alguma coisa que ele identifica pelo caminho. Após dois anos de sua posse, não há uma política construtiva, um ato voltado para o desenvolvimento econômico e também social, e não existe até hoje um projeto de governo.
Merval Pereira lembra que Bolsoanro, no fundo, ao fazer acordo com o Centrão, tenta efetivamente desmoralizar o parlamento na medida em que adota a prática de uma política de troca de interesses por ele próprio condenada quando percorria a estrada de sua candidatura ao Planalto.
O impulso demolidor e contraditório está atingindo duramente a população brasileira. De outro lado, ele rejeita definições científicas sobre a importância das vacinas e os laudos contra o uso da cloroquina. Merval Pereira acrescenta ainda que Bolsoanro se omite diante do escândalo arquitetado sobre a aquisição de 400 milhões de doses da Astrazeneca por um preço pelo menos 30% superior ao do mercado.
DIGITALIZAÇÃO E ANITTA – Numa entrevista a Isabela Bolzani, Folha de São Paulo, David Vélez, presidente do Nubank, que inclui fundos de investimentos do bilionário Warren Buffett, afirmou que o jogo financeiro no Brasil está só começando. O fundador do Nubank destaca a incorporação de Anitta em seu conselho de administração,
O próximo passo, com base em 40 milhões de clientes no Brasil, na Colômbia e no México, será progressivamente ampliar os serviços bancários digitais. Diz ele que pessoas que não tem histórico financeiro poderão adicionar limite no cartão e usá-lo como se fosse cartão de crédito. Admiro muito a sensualidade e a personalidade de Anitta que a levou e a mantém no absoluto sucesso alcançado. Mas não acredito que a digitalização em alta velocidade possa produzir por si crescimento econômico e muito menos redistribuição de renda.
Ao contrário, vamos aplaudir e concentrar nossa atenção no corpo extremamente sensual da cantora. Entretanto, não creio que o apelo sexual que os seus movimentos criam possam alavancar avanços econômicos. Prefiro vê-la dançando e fascinando os que, assim como eu, a admiram.