Malu Gaspar
O Globo
As últimas denúncias de cobrança e oferta de propina em negociações de vacina no Ministério da Saúde atingem em cheio o PP. Principal pilar de sustentação do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, o partido de Ricardo Barros e do presidente da Câmara, Arthur Lira, é também a força motriz do Centrão.
O partido comandava, até ontem, a diretoria de logística do Ministério da Saúde por intermédio de Roberto Dias, que segundo a “Folha de S. Paulo” pediu propina de US$ 1 por dose de vacina a um representante da empresa indiana Davati Medical Supply, que tentou vender um lote de 400 milhões de doses da Astra Zeneca ao governo brasileiro.
DOIS SENHORES – Indicado formalmente por Abelardo Lupion, ex-deputado do PP do Paraná, Roberto Dias na prática servia a dois senhores, segundo funcionários e ex-funcionários do ministério da Saúde: o próprio Lupion e Ricardo Barros, também do PP paranaense.
Dias, aliás, foi diretor da secretaria de infraestrutura e logística do governo do Paraná durante a gestão da mulher de Ricardo Barros, Maria Aparecida Borghetti. Cida Borghetti, como é conhecida, nomeou Lupion como secretário de estado, e Dias era seu braço-direito.
Cida era vice-governadora e ficou no cargo entre abril de 2018 e janeiro de 2019, depois que o governador Beto Richa renunciou para disputar uma vaga no Senado.
CONSELHO DE ITAIPU – Em maio passado, ela foi nomeada por Jair Bolsonaro para o conselho de Itaipu – uma das vagas em conselhos de estatais mais disputadas pelo governo, pelo salário de R$ 27 mil.
Outro personagem trazido à luz ontem, desta vez pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF), é Silvio Assis, um lobista muito ativo entre os deputados do PP. Assis se diz amigo de Ricardo Barros há mais de dez anos.
Segundo a revista Crusoé, no final de março, os dois ofereceram a Miranda US$ 0,06 por dose de vacina para que ele não “atrapalhasse” o negócio do governo com a Covaxin.
PRESSÃO NO MINISTÉRIO – Miranda e seu irmão, o servidor público Luis Ricardo, depuseram na semana passada à CPI da Covid. Luis Ricardo disse ter sofrido pressão dos superiores no Ministério da Saúde para liberar a importação da Covaxin mesmo com documentação irregular. Tanto Barros quanto Assis negam ter oferecido propina a Miranda.
Conhecido em Brasília pelo protagonismo em negócios pouco ortodoxos, Assis é do Amapá e, quando chegou em Brasília, dizia ser afilhado do ex-senador José Sarney. No ano 2000, chegou a ter sua prisão pedida pela CPI do Narcotráfico e ficou dois meses foragido. Em seguida, foi preso pelo Ministério Público do Amapá pelo mesmo motivo, mas acabou conseguindo um habeas corpus.
Dezoito anos depois, foi preso de novo, desta vez na operação Registro Espúrio, que investigou a venda de registros ilegais no ministério do Trabalho, então sob o comando do PTB. Na ocasião, Assis foi flagrado em uma interceptação telefônica autorizada pela Justiça pedindo propina a uma empresária para liberar o registro de um sindicato.
COM O AMIGO BARROS – Já estava então de volta ao topo, atuando também no ministério da Saúde do amigo Ricardo Barros. Deputados que lidavam com ele na época afirmam que ele tinha acesso livre ao gabinete de Barros.
Seus tentáculos também chegaram ao governo do Distrito Federal, onde ele tinha apadrinhados políticos no Detran. Data dessa época sua aproximação com a deputada Celina Leão (PP-DF), que era secretária de Esporte e Lazer e, durante a pandemia, foi a relatora do projeto que permitia a compra de vacinas pelo setor privado.
Celina faz parte de um grupo de parlamentares mais próximos ao presidente da Câmara, Arthur Lira. O próprio presidente Bolsonaro já foi parlamentar do PP.
MÃE DO FILHO 04 – Em março deste ano, a deputada contratou para secretária parlamentar de seu gabinete Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro e mãe do filho 04 do presidente da República. Com a ascensão dos amigos ao centro do poder, a casa de Silvio Assis no Lago Sul virou um ponto de encontro para políticos de diversos partidos que frequentavam suas feijoadas e recepções.
Até o presidente da Anvisa, Almirante Barra Torres, apareceu por lá uma vez. Segundo a Crusoé, foi nessa casa que ele e Ricardo Barros se reuniram com Luis Miranda para discutir o caso Covaxin.
Depois das denúncias desta terça-feira, Roberto Dias foi demitido, e próprio Ricardo Barros está com a sua permanência na liderança do governo ameaçada. O problema, para Bolsonaro, é que seu governo está tão ligado ao PP que talvez livrar-se de Barros não seja suficiente para aplacar a crise.