Carlos Newton
O ministro João Otávio de Noronha, que até o mês que vem está na presidência do Superior Tribunal de Justiça, vem sendo cobrado por todos os meios de comunicação por ter tomado, monocraticamente, decisões equivocadas e até favorecedoras, em diversos habeas corpus impetrados por pessoas ligadas ao presidente Bolsonaro. Algumas dessas decisões, de tão heterodoxas, já foram reformadas por seus pares ou pelo Supremo Tribunal Federal.
Dizem que ele tem pretensões de substituir o ministro Celso de Mello, que deixará uma vaga no STF e que para tanto contaria com a admiração do clorofinólogo ocupante do Palácio do Planalto, que disse “admirar o ministro desde o primeiro encontro, amor à primeira vista”.
ALGUMAS RAZÕES – Amor e simpatia à parte, há de se ter tolerância com relação às decisões do ministro Noronha pelas seguintes razões: 1 – ao longo de sua vida como advogado, atuou sempre como funcionário do Banco do Brasil; 2 – nunca submeteu-se a algum concurso de ingresso na magistratura, diferentemente, do presidente do Supremo, Dias Toffoli, que tentou duas ou três vezes e foi logo eliminado nas etapas iniciais; 3 – foi catapultado ao topo do Poder Judiciário, como indicado em lista tríplice da OAB, na condição de advogado, graças ao relacionamento e ao forte apoio político; 4 – foi indicado pelo então presidente FHC em 2002 e aprovado pelo Senado Federal.
Nesse contexto, o errado não é o ministro que produz decisões reparáveis, mas quem o escolheu em lista tríplice, ou seja, o presidente FHC, que indicou seu nome e os senadores que referendaram a escolha.
Para todos os efeitos, ele foi ungido porque tinha “notório saber jurídico e reputação ilibada”.
TODOS ERRARAM – Portanto, quando Noronha decide de forma errônea e em desacordo com o bom direito, falharam e erraram todos que por livre e espontânea vontade o ungiram para ocupar uma vaga de ministro no Tribunal da Cidadania (STJ).
A propósito, a Rede Globo de Televisão, mais do que ninguém, está sendo ingrata e injusta com esse ministro que, em 2011, lhe prestou inestimáveis serviços ao decidir ação referente à usurpação do canal 5 de São Paulo (TV Paulista) pelo jornalista. Roberto Marinho
O criador da Rede Globo se apossou do capital total da emissora sem ressarcir seus mais de 600 acionistas, mas, ao julgar a causa, o ministro Noronha entendeu que esse negócio, de fato, existiu, não obstante os documentos falsos e anacrônicos apresentados em juízo pelo próprio Roberto Marinho, depois por seu espólio e pela Globopar.
JULGAMENTO ERRADO – Na sua estranha decisão, Noronha contrariou os argumentos dos próprios advogados da Globo, que afiançaram nos autos nunca ter havido negócio de Roberto Marinho com a família Ortiz Monteiro, detentora da maioria do capital social da Rádio Televisão Paulista S/A, hoje, TV Globo de São Paulo. Os advogados disseram que Marinho comprou a emissora em negociação com o empresário Victor Costa, embora ele fosse apenas era diretor do Canal 5, sem possuir uma só ação da empresa e sem ter poderes para vendê-la.
Nesse julgamento complexo, o ministro Noronha também confundiu “ação declaratória de inexistência de ato jurídico” com “ação de nulidade de ato jurídico”, dois tipos de processos totalmente diferentes entre si e que não são amparadas pela prescrição.
VOTO DIFERENTE – A decisão de Noronha foi contestada pelo próprio governo federal, através do Ministério das Comunicações, que já produziu documento destacando que ignora totalmente qualquer transferência de controle societário do canal 5 de São Paulo, envolvendo Roberto Marinho, a família Ortiz Monteiro e o não acionista Victor Costa. Ou seja, para o governo, Marinho jamais comprou a TV Paulista.
Esquecido desse julgamento de Roberto Marinho, mais recentemente, em recurso especial semelhante, julgado pela 3ª Turma do STJ, o ministro João Otávio de Noronha votou e apoiou acórdão que admitia “que é nula e imprescritível alteração contratual realizada mediante falsificação da assinatura de sócio controlador. É negócio nulo de pleno direito, impossível de ser ratificado e com efeito “ex tunc”, isto é, desde a sua prática, não importando o tempo transcorrido.
É DE SE ESTRANHAR – Em todo esse imbroglio sobre crimes cometidos por Roberto Marinho ao usurpar o controle da TV Paulista, que continua rolando na Justiça, é de estranhar a posição dos filhos do criador da Rede Globo.
Ao invés de simplesmente indenizar os acionistas da TV Paulista e colocar uma pedra no assunto, eles permitem que a memória do pai seja enxovalhada na Justiça, com seus crimes já apontados em pareceres da Procuradoria-Geral da República, inclusive as ilegalidades na transferência da concessão do Canal 5 para nome de Roberto Marinho.
Se o presidente Bolsonaro determinar rigor nas negociações para renovar a concessão da TV Paulista, facilmente serão comprovadas as múltiplas irregularidades cometidas por Roberto Marinho. Mas será que ele tem coragem para tanto?