Pedro do Coutto
Ao ser homenageado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo com um almoço no Jóquei Clube de Cidade Jardim, o ministro Cezar Peluso, presidente da Corte Suprema, colocou uma questão difícil de ser realizada concretamente na prática: a análise prévia de projetos de lei pelo STF para que possa ser definida sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. Evitaria casos, disse ele, como a controvérsia em torno da Lei da Ficha Limpa.
Reportagem de Donizeti Costa e Sérgio Roxo, O Globo de 26 de março, focaliza nítida e amplamente a hipótese levantada. Não é exeqüível. O Supremo já se encontra sobrecarregado pelo número excessivo de recursos que se vê obrigado a apreciar e julgar. Caso tivesse que adicionar às suas atividades constitucionais outras tarefas extra constitucionais, não teria tempo sequer para decidir questões fundamentais à vida do país.
Vejam os leitores como se estendeu no tempo o debate sobre as células-tronco, marcado inclusive por diversos pedidos de vista que levaram a adiamentos em série. Vejam os leitores o que acontece a respeito do processo do Mensalão. O escândalo explodiu em 2005, acarretando a demissão do ministro José Dirceu da chefia da Casa Civil e a cassação de seu mandato de deputado. Somente em 2007, a denúncia da Procuradoria Geral da República foi aceita pelo ministro Joaquim Barbosa, relator do caso. Estamos em 2011: os principais acusados sequer tiveram seus julgamentos marcados.
Matérias tramitam décadas no STF. A indenização à Tribuna da Imprensa pela censura que sofreu ao longo dos governos Médici e Geisel, além de ter suas máquinas explodidas e seu prédio incendiado por um comando terrorista, em 81, até hoje não foi concretizada. Uma série de outros exemplos não tão longos quanto a omissão citada poderiam facilmente ser relacionados.
O sistema judicial brasileiro divide-se em dois estágios que deveriam encontrar-se sintonizados em apenas um. O reconhecimento do direito e a conseqüência prática desse reconhecimento. Uma forma de protelação que atravessa o tempo e se mantém há pelo menos cem anos. As sentenças não são líquidas. Definido o primeiro estágio, ingressamos no segundo: o dos cálculos. Aí as ações tornam-se intermináveis. Situação mais emblemática: os processos contra o INSS. Demoram décadas, É demais. Demasiados são também as instâncias de recursos, como o próprio Cezar Peluso afirmou aos advogados paulistas.
Imagine-se somar-se a este quadro o exame prévio de constitucionalidade dos projetos em tramitação no Congresso Nacional. Ou na véspera de sua sanção pela presidente Dilma Rousseff. Não haveria tempo material para a adoção sequer de tal esquema de propósito. Além do mais, se o Legislativo tem o poder de mudar dispositivos da Constituição do país, pela maioria de 60 por cento dos votos tanto na Câmara quanto no Senado, como poderia tornar-se objetivo de aprovação prévia de suas iniciativas por um outro poder da República? Não faz sentido.
Cezar Peluso, no texto de Donizeti Costa e Sérgio Roxo, refere-se ao caráter vinculante das súmulas do Supremo Tribunal Federal. As atribuições da Corte estão contidas no artigo 101 ao artigo 103 da Carta de 88. Uma delas a decisão vinculante. Mas somente no caso de a decisão ter sido tomada por dois terços de seus membros. Não é absolutamente o caso da Lei da Ficha Limpa, que está causando uma tempestade institucional na medida do inconformismo que o julgamento despertou na opinião pública. A decisão do STF criou um abalo muito maior d que a lei que lhe deu origem. O assunto já estava encerrado. Agora, surgem novos capítulos.
Fonte: Tribuna da Imprensa