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quinta-feira, outubro 14, 2010

Resgate pode ser um ponto de inflexão

Por Daniela Estrada, da IPS

Santiago, Chile, 14/10/2010 – “Este país precisa entender que são necessárias mudanças”, disse na madrugada de ontem Mario Sepúlveda, o segundo mineiro chileno resgatado de um grupo de 33 que passou mais de dois meses preso a quase 700 metros de profundidade após o desmoronamento em uma mina da região de Atacama, norte do Chile. Mas, quais mudanças? Quais lições o acidente deixará para este país que é o principal produtor de cobre do mundo?

O alto perfil midiático do resgate, iniciado no final da noite do dia 12, fez esquecer que em 2009 foram registrados mais de 191 mil acidentes de trabalho em todo o país, com 443 mortes. E no primeiro trimestre deste ano foram 155 mortos. “Os mineiros não são heróis”, como todos os chamam por suportarem mais de dois meses sob a terra, na verdade são “vítimas”, disse à IPS o sindicalista Néstor Jorquera, presidente da Confederação Mineira do Chile (Confemin), à qual estão filiados os trabalhadores da mina San José em Copiapó, Atacama.

“Depois do resgate de nossos companheiros, iremos com tudo para que os culpados respondam devidamente”, alertou o dirigente da Confemin, que reúne 18 mil trabalhadores da pequena, média e grande mineração deste país de 17 milhões de habitantes. Em uma espetacular e inédita operação, acompanhada por centenas de jornalistas nacionais e estrangeiros e transmitido ao vivo pelas televisões de todo o mundo, na noite do dia 13, foi realizado o resgate dos mineiros – presos na mina desde 5 de agosto –, com as presenças do presidente Sebastián Piñera e de vários ministros.

Para os críticos, o “Acampamento da Esperança”, levantado pelos familiares dos trabalhadores nas proximidades da mina, se transformou em cenário de um reality show, que desumanizou o drama da insegurança desta indústria, colocando em primeiro plano os detalhes técnicos do resgate e as histórias íntimas dos mineiros acima do precário contexto trabalhista que propiciou o desabamento. Já são anunciados programas de televisão que seguirão por meses os trabalhadores da empresa de mineração chilena San Esteban, além de livros e filmes.

Também surgiram críticas ao governo de aproveitamento político do caso, considerando a contínua presença do presidente na mina e a recorrente evocação de fortaleza dos mineiros em seus discursos, como símbolos “do espírito chileno de luta contra a adversidade”. Perante o mundo, “o Chile apareceu muito bem pelos esforços de resgate e pela responsabilidade assumida pelo Estado”, mas o acidente “causou um tremendo dano à imagem nacional porque todos se perguntam o motivo de ter acontecido”, disse à IPS a acadêmica Kirsten Sehnbruch, do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile.

Há uma mescla de negligências públicas e privadas, destacou Kirsten, acrescentando que “em qualquer país desenvolvido os donos da mina estariam presos”. Os dois chilenos proprietários da mina, situada em uma zona desértica 800 quilômetros ao norte da capital chilena, estão enfrentando acusações criminais por lesões corporais graves, relacionadas a um acidente anterior em que um mineiro perdeu uma perna, e estão sob ordem judicial para não deixar o país. “A alegria diante do resgate quase épico, produto da fortaleza e sabedoria dos mineiros de Atacama, nos obriga a não esquecermos que situações como esta são absolutamente evitáveis”, disse à IPS María Ester Feres, diretora do Centro de Estudos e Assessoria em Trabalho, Relações Trabalhistas e Diálogo Social da Universidade Central do Chile.

Basta recordar, segundo María Ester, que “só no ano passado, segundo dados parciais (das empresas filiadas a seguradoras), foram contabilizados mais de 191 mil acidentes de trabalho” no país. “Estamos fazendo uma revisão completa das normas de segurança”, não só da indústria mineradora, como também de outros setores, disse Piñera após a saída do primeiro trabalhador resgatado, Florencio Ávalos.

Segundo María Ester, o Chile não conta “com uma política de Estado nem com uma estrutura nacional, articulada, coerente e eficiente” em matéria de “segurança e saúde no trabalho”. E acrescentou que, “conhecendo o que ocorre na agroindústria, na salmonicultura, no setor portuário, na construção, entre outros setores, constata-se que o trabalho decente não constitui um objetivo estratégico do modelo de crescimento econômico”. Trata-se de extensas jornadas, descanso insuficiente, baixa remuneração, informalidade e rotatividade no emprego.

O presidente Piñera criou em agosto uma comissão sobre segurança no trabalho, integrada por técnicos, que deve apresentar suas recomendações no dia 22 de novembro. Também anunciou a criação de uma superintendência de mineração, a reestruturação do Serviço Nacional de Geologia e Mineração, mais financiamento para fiscalização e a formação de outro comitê assessor, também com especialistas, para revisar o Regulamento de Segurança da Mineração.

Para Néstor, é preciso ratificar o Convênio 176 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre segurança e saúde nas minas, adotado em 1995 e que entrou em vigor em 1998. “Contudo, não interessa ao governo por acreditar que isto não soluciona o problema”, acusou. Segundo María Ester, “as ações do governo não se voltam para a direção correta, já que formou uma comissão focada apenas na segurança do trabalho, sem ter entre seus objetivos a análise do conjunto das condições de trabalho”. Tampouco incluiu o sindicalismo e outros atores importantes, ressaltou.

María Ester também criticou o fato de o setor empresarial ter “procurado centrar o problema somente nas pequenas empresas”. Os sindicatos dos mineiros questionam o governo por cortar o fio pelo lado mais fino, fechando pequenos e inseguros pirquenes (explorações quase informais) em Atacama, sem dar apoio para melhorar o trabalho. Apesar de a Confemin entregar uma petição ao governo junto com a Centra Unitária de Trabalhadores, e de outros sindicatos também estarem se organizando, Néstor está pessimista porque há problemas de fundo, como a estendida subcontratação.

Esta modalidade e a multiplicidade de razões sociais em uma mesma empresa “externam os custos e os riscos trabalhistas, além de atomizar e dificultar a sindicalização e a participação organizada dos trabalhadores na determinação e no controle das condições de trabalho”, disse María Ester. A lamentável “irresponsabilidade empresarial abriu uma grande oportunidade para que os trabalhadores denunciem e mostrem tudo o que se esconde neste país”, graças ao fato de os olhos do mundo estarem voltados para o Chile, concluiu Néstor. Envolverde/IPS


(IPS/Envolverde)

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